Vila do sossego

9 de nov. de 2009











Oh, eu não sei se eram os antigos que diziam...
Zé Ramalho- Vila do sossego

“Eles somem todas as noites e só reaparecem de manhã.”

Eu não sabia ao certo aonde iria parar dessa vez. Era um hobbie, viajar sem destino pelo interior de Minas visitando cidadezinhas esquecidas do mapa. Já havia conhecido várias ao longo do Vale do Jequitinhonha e Mucuri. Foi numa dessas viagens aleatórias que cheguei à vila.

De longe eu avistei as casinhas, eram tão poucas que julguei se tratar de uma cidade abandonada. Perguntei ao motorista se o ônibus demoraria a voltar e se passaria por ali. Ele me olhou estranhamente e disse que voltaria pelo mesmo caminho em duas horas. Era o tempo que eu precisava para conhecer o local.

Quando eu disse que iria descer aqui, o motorista me olhou assustado e ficou me encarando. Olhei para trás e notei a expressão séria dos poucos passageiros do ônibus que inclinavam o pescoço para me ver. “Algum problema? Você não pode parar aqui?” Perguntei. O motorista freou o ônibus surrado bruscamente que julguei ouvir uma parte da lataria se desprender. Ele não disse nada, pegou o dinheiro da passagem e respondeu ao meu agradecimento apenas balançando a cabeça.

Havia apenas uma estrada estreita de terra que levava à vila. De longe, já pude perceber que não estava abandonada. Pelo contrário, havia muitas pessoas e grande movimentação, algo que do ônibus era impossível perceber. As pessoas tinham expressões calmas, gestos comedidos e olhares precavidos. Percebi que comentavam algo umas com as outras sempre que me viam. Achei normal, pois o lugar não deveria receber muitos visitantes, a não ser aventureiros como eu, interessados em conhecer cidades e pessoas isoladas nos confins de nosso estado.

Fui ao bar comprar água. Havia dois homens jogando dominó em uma das mesas e outro sentado ao balcão. Os homens do dominó pararam seus gestos quando me viram, um deles permaneceu segurando a peça no ar como se estivesse paralisado ante a minha presença. O homem do balcão me olhou com uma expressão assustada, segurando um copo de cachaça. Nem precisei perguntar, pelo jeito e pelas roupas percebi que ele também era de fora. “Quem atende aqui?” Quando pronunciei essas palavras, imediatamente o homem que estava com a peça de dominó erguida encaixou-a na fileira de peças fazendo um estalo e a partir daí não me olharam mais, concentradas em seu jogo. O homem sentado ao balcão gritou: “Isaías, freguês!” e depois tomou a cachaça de um gole só. “Bem- vindo à Vila do sossego.” Comecei a conversar com o sujeito e descobri que ele era de Goiás. Ele falava de sua terra com tanta saudade que fiquei imaginando por quanto tempo ele estava por aqui. “E não vai voltar para Goiás?” Perguntei. “Agora sim.” Depois se despediu e saiu me deixando sozinho no balcão. Quando olhei para trás, os homens que jogavam dominó já não estavam mais lá. Chamei novamente pelo dono do bar, mas ele não apareceu.

Saí para vasculhar a cidade e tirar umas fotos como eu sempre fazia nessas ocasiões. A primeira foto me assustou. Apesar da câmera digital, as imagens capturadas pareciam mais uma velha pintura do que uma foto. Julguei que minha máquina estivesse estragada porque todas as fotos que eu tirei tinham aquela expressão amarelada e fosca como um pôr-do-sol, os rostos das pessoas saíam pálidos e tristes e até mesmo as crianças que corriam alegres saíam com expressões melancólicas nas fotos.

Foi então que levei o grande susto. Quando parei de tirar as fotos e olhei ao redor não pude acreditar. Já era noite! Olhei assustado em direção à estrada, eu havia perdido o ônibus. “Como pude me entreter tanto!” Pensei alarmado. “Agora eu terei que dormir neste lugar estranho.” Procurei alguém para me indicar uma pensão, mas já não havia ninguém na rua. Eu estava só. Foi quando vi uma luz vinda do bar. Corri e encontrei o mesmo forasteiro goiano sentado ao balcão tomando cachaça. “Fiquei tirando umas fotos e me esqueci do tempo, conhece alguma pensão onde eu possa dormir?” “Você não vai precisar dormir por muito tempo.” Respondeu ele sem me olhar. Fiquei com medo. “Como assim?” Foi então que ele me olhou. Ele tinha um sorriso medonho nos lábios, os olhos arregalados. Ele se levantou e disse: “Eles somem todas as noites e só reaparecem de manhã.” Eu estava cada vez mais assustado. “Eles quem? Onde está todo mundo?” Ele se levantou e andou em direção à estrada. Fiquei parado sem saber o que fazer. Quando vi, ele já estava distante. Corri em sua direção, talvez naquele horário passasse algum ônibus. Quando me aproximei da estrada, algo inexplicável aconteceu. Tudo começou a ficar turvo, a estrada foi sumindo aos poucos junto com o homem e quando me recobrei do susto já não havia estrada, apenas árvores de cerrado, retorcidas e cinzentas. Desesperei-me, entrei no mato e me perdi. Quando achei uma trilha, ela me levou de volta à vila. E foi assim sempre; toda noite eu entrava no cerrado procurando a estrada perdida e chegava novamente à Vila do sossego. Quando amanhecia, os moradores reapareciam vindos não sei de onde, pois à noite, suas casas estavam vazias. Todos me cumprimentavam como se me conhecessem há anos, mas quando eu fazia alguma pergunta relacionada aos fatos estranhos, ninguém me respondia como se eu não existisse.

Compreende agora meu sorriso? Há anos espero que outro forasteiro chegue para me libertar, assim como eu libertei o goiano. Não sei o que me espera no fim da estrada, mas qualquer coisa é melhor do que esta prisão. Sei que você deve estar achando que eu sou louco, mas você terá muito tempo para descobrir que está errado. Olhe para a rua, está vazia. Eles somem todas as noites e só reaparecem de manhã.

“E quando eu olhei, ele já havia sumido.”

Passeio

5 de out. de 2009












Esparsos passos
passeio pela manhã
piso as pegadas
passo o passado
e pouso meus pés
no amanhã.

Clamor com amor

8 de set. de 2009















A minha brisa sussurra suavemente
em seus ouvidos
sonoramente silenciosa.

A onda anda ondulando
minhas águas que molham
lavando seus corpos cansados.

O fogo inflama e se faz flama
meu calor aquece
os que esquecem que sentem frio.


Mas, oh! Os meus filhos não escutam
o meu clamor no vento
então preciso soprar
com a fúria de um furacão.

Os meus filhos transformam meus fluídos
em lágrimas salgadas de dor
então preciso mostrar-lhes
o terror da força do mar.

E com o meu calor...
Ah! Os meus filhos irão se queimar!

O prêmio

17 de ago. de 2009











Ele havia ganhado sozinho o grande prêmio da loteria. Enquanto conferia o bilhete, seus pensamentos vagavam. Ele, que sempre foi pobre, agora teria tudo o que sempre quis. Imaginou o dinheiro, as viagens, os carros, o jatinho. Era inacreditável. E a Rosinha; finalmente ela daria bola pra ele, se casariam e viajariam pelo mundo em uma eterna lua de mel. Ele parou de pensar e olhou para o bilhete premiado. Não... ele não estava preparado pra tanta felicidade; rasgou o bilhete, jogou os pedacinhos no lixo e seguiu para o trabalho.

O homem que vendeu os olhos

11 de ago. de 2009










Os olhos dele não eram apenas sensores. Onde os outros viam cores, ele via a alma; onde viam flores, ele via o mundo onde as almas habitam. Os olhos dele enxergavam por dentro e além das coisas. Até o dia em que ele decidiu vendê-los.

Meu livro na Mojobooks

21 de jul. de 2009















Oi, galera! O meu primeiro livro eletrônico foi publicado esta semana pela mojobooks. É um conto de ficção científica baseado no álbum "Somewhere in time" do Iron Maiden. Para ler basta fazer uma inscrição bem simples no site e baixar o arquivo em pdf. A proposta da mojobooks é bem interessante, criar contos ou quadrinhos inspirando-se em um disco ou uma música.O endereço da mojobooks é: mojobooks.virgula.uol.com.br

Uma voz...

15 de jul. de 2009










Salve-se dos sonhos sabendo ser sensato.
Sinta o sussurro suspirando em seus ouvidos:
Seja sábio, sonhador.

Sorva o sabor dos sonhos,
Mas saiba que o gosto talvez não virá.
Quiçá somente o insípido sopre em seus sentidos
A verdade que mora em seu coração.

Ouça a voz que vela em segredo
Os desejos que preferiram ficar perdidos.
Os fatos comprovam que a experiência alimenta a intuição.

Ouça a voz no vento:
O melhor é sonhar acordado.
A tríade do sábio é a calma, a esperança e a resignação.
Seja um sábio sonhador.

Confissão

6 de jul. de 2009











Terminei um caso equivocado de amor
onde somente eu era o amante.
Sempre que eu a procurava, ela fugia.
Eu tocava cada letra do seu corpo,
ouvia o som de cada sílaba,
modelava sua forma.
Eu amava a poesia.

Porém, ela me abandonou sem piedade,
esculhambou meus versos,
não deu bola pro qu'eu sentia.
Ela tem melhores amantes, eu sei.
Pois afinal, no final das contas,
era eu que não a entendia.

O Assinalado

8 de jun. de 2009







“ Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas pouco a pouco.”


Foste tu que me escolheste, Poeta? Ou foi a própria beleza do mundo que me elegeu seu protetor? Ah! O mundo é lindo como a capa vermelha de teu livro, é lindo como nossa casa. Não podemos deixar que nada o contagie. Veja, Poeta! Minhas rosas vermelhas floresceram na janela. Tão lindas! O cheiro delas é tão doce quanto tua poesia. Sente? Sente o cheiro da minha casa? Ah, me dá vontade de dançar. Mas estás me chamando, Poeta? Perdoe-me, estava tentando me dizer algo. Sempre está. Eu sou o Assinalado. Eu tenho uma missão em prol da beleza. A capa vermelha me atrai, o teu livro me chama. É naquele poema que me dizes, Poeta; eu sei. Mas ainda não consegui compreender-te.


“ De seu calmo esconderijo,
o ouro vem, dócil e ingênuo;
torna-se pó, folha, barra,
prestígio, poder, engenho...
É tão claro!- e turva tudo:
honra, amor e pensamento.”

Agora vejo o que queres.


**********


Lá está ele, Poeta; saindo do banco com seu terno limpo e sua valise cheia de papéis considerados importantes. Aposto que ele não gosta de poesia. Ele ama apenas o dinheiro, Poeta. Ele ama apenas o poder. Um banqueiro, um assassino da beleza do mundo. Como isso dói! Esse ar tão puro da cidade, essa noite tão poética em meio aos arranha-céus e aquele patife estragando tudo em nome do dinheiro. O ouro deveria pertencer à natureza. Vamos segui-lo, Poeta. Ele está tão seguro de si. Ele acha que o seu dinheiro irá protegê-lo de sua punição. Eu sou o cirurgião que extirpará esse câncer do mundo. Eu sou o Assinalado.


**********


Veja como ele grita, Poeta. Vamos, grite pelo seu ouro, pelas suas riquezas! Não tente me subornar, eu não quero seu maldito dinheiro. Quero apenas que você expurgue seus pecados. Olhe para suas mãos jogadas no chão. Sem elas, você não poderá pegar o seu precioso dinheiro, o ouro que você arrancou do mundo. Como? Deus? Agora você grita por Deus? O seu deus é o dinheiro, hipócrita! Acho que arrancar suas mãos não foi o suficiente para fazê-lo enxergar suas heresias. Não vê a beleza do sangue? O vermelho... É a capa do livro, Poeta. Esse vermelho é tão lindo. Você quer mais, Poeta? Dê-me o serrote, vou cortá-lhe os braços. Não grite, imundo! Ninguém pode ouvi-lo aqui. Apenas ouça o Poeta. Você verá o verdadeiro mundo.


“ O mundo vai mudar de cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.”


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Estamos na tevê novamente, Poeta. Nos chamam de assassinos, serial-killers. Não veem que você é um artista e que eu sou o Assinalado. Encontraram os pedaços do banqueiro e estão estranhando porque não levamos nada da casa, nem os cartões de crédito, nem o dinheiro. O mundo ficou mais bonito sem ele, Poeta. Ficou mais bonito como eu, como você, como nossa casa e a tua poesia... Adoro passar a mão sobre a capa de teu livro, é macia, sua textura me acalma. É aquela poesia, eu sinto que é aquela poesia. Eu marquei a página com uma rosa, Poeta; recite-a...


**********

Veja como ele sofre. Tenho reparado durante semanas. O padre se ajoelha diante da imagem de Cristo sempre no mesmo horário, todos os dias. Ele se sente culpado pelo sofrimento de Jesus. Se esse padre escrevesse uma poesia, ela seria tão dolorida, Poeta! Talvez fosse bonita. Mas ele se contenta apenas em sofrer resignadamente. O sofrimento é belo, mas não o suficiente. Foi isso o que você me disse naquele poema. A morte é mais bela.


**********


Que imagem linda! O sangue verdadeiro descendo pela cruz do altar é mais poético do que qualquer imagem. Não se sente melhor cravado na cruz, padre? É o que sempre quis.


“A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.”


Sua culpa é tão linda, padre. Deves eternizá-la. Em breve, não deverás nada a Ele. Não, padre, não sou louco! Eu sou o Assinalado, o protetor da beleza do mundo. É o teu desejo, padre, sofrer por Ele como Ele sofreu por ti.


“A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados,”


Grite, padre! Farei o sinal da cruz em seu peito. Abençoei esse facão em sua água- benta. Seu sangue vai lavar sua culpa, sua morte o unirá a Ele.


“A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.”

**********

A morte do padre os chocou mais, Poeta. Mas o sofrimento dele é tão pouco se comparado ao daquela garota que lhe disse. Veja, ela senta-se todos os dias naquele banco. Deve ter uns dezessete anos, pura como uma musa romântica, pálida como a Morte. Linda! Ela não pode permanecer viva, Poeta. Sua lembrança fará o mundo mais bonito, inspirará a poesia. Uma deusa não pode andar entre os mortais.


“Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!”

Eu tenho a chave.


**********

O vermelho é tão lindo em sua pele branca. Mas agora vejo que não és inocente. Uma boca tão bonita expelindo palavrões tão rudes. Tu és um insulto à poesia. Queria elevar-te aos céus, maldita, por achar-te um anjo. Mas de qualquer forma deves morrer, para livrar o mundo de sua beleza falsa. Grite mais! Sei que não estás gritando apenas pela dor, mas sim porque estou retirando tua máscara. A faca está afiada, Poeta. Veja como a pele do rosto sai com facilidade. Grite, cadela!


“Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara?”

Tu não tens coração, e para provar, vou trespassá-lo.


“ assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia; ”


Vês, Poeta? A falsa musa está morta. Já não é mais bela com esse rosto desfigurado. Somente a Morte agora embeleza esse bosque. O rosto da Morte é medonho, mas sua presença é bela, Poeta.


“ Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...”

**********

Dizem que seguimos um padrão, Poeta; que em breve seremos presos; que assassinos seriais sempre são capturados. Mas a ingratidão deles não me preocupa. Hoje eu estou tão triste que não me importaria em ser preso. Nem as minhas belas rosas poderiam me alegrar, nem o conforto do meu lar, nem mesmo tua poesia. Como dizes? Não serei preso? Sim, já estou com teu livro nas mãos, mas...
Me diga, Poeta; qual poesia me libertará?

**********


Hoje foi encontrado morto em sua própria residência, o assassino serial conhecido como o Assinalado. Esse assassino aterrorizou a cidade durante os últimos meses, escolhendo vítimas ao acaso e matando-as com requintes de crueldade. Suas últimas vítimas foram o famoso banqueiro Hernando Villas- Boas, o padre Jesuíno Santana da Cruz e uma jovem de dezessete anos chamada Marília Celeste dos Anjos. O assassino deixava fragmentos de poemas de grandes poetas brasileiros nos locais do crime, assinados com seu codinome- O Assinalado. Nossa equipe de reportagem acompanhou a polícia durante a operação de reconhecimento do local onde o assassino morava. Vejam as imagens.


Repórter- O local é um prédio abandonado cheio de mofo, lixo e entulho. Somente o assassino morava aqui, como tudo indica, nesse quartinho do segundo andar. Há um mau-cheiro terrível no local. Na janela, foi encontrado um vaso de rosas murchas. Apesar disso, parecia que ele as regava todos os dias. O assassino se suicidou na noite de ontem, cortando a garganta com uma faca. Ao seu lado, foi encontrado um bilhete com um verso:


“Vem, doce morte. Quando queiras.”


Os investigadores estão tentando contatar algum professor de literatura para saber se esse verso também é um trecho de algum poema. Ao lado do corpo do assassino, foi encontrado um livro. Trata-se de poesias diversas da literatura brasileira. O livro possui uma capa vermelha, sem título e sem indicação de editora ou data de publicação. Parece ser um livro impresso artesanalmente. Os peritos disseram que provavelmente era desse livro que o assassino retirava as motivações para seus assassinatos. O livro estava aberto em uma poesia. Os versos estavam sublinhados em sangue, como se o assassino estivesse passando o dedo sobre eles antes de morrer. Eis o trecho:


“ Não, não é louco. O espírito sòmente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea.”


Não há o nome do poeta, assim como nas outras poesias. Estamos esperando o professor de literatura. A polícia também não conseguiu identificar o nome do assassino ainda, por falta de documentos e registros. Em breve voltaremos com mais notícias sobre esse caso no seu telejornal. Boa- noite.

Pétala

3 de jun. de 2009












No auge do meu choro
flagelo-me
desfolhando flores

mal me quer
mal me quer...

XXI- O mundo

29 de mai. de 2009
Alinhar à direita















E o louco percorreu o caminho do mundo. Ao final, o seu lugar estava reservado, era pequeno, mas o envolvia por completo. O lugar era feito de fracassos, tentativas, dúvidas, certezas, amor, desilusão e tudo o que foi encontrado pelo caminho. Sem um deles, o espaço se tornaria menor e o louco ficaria apertado em sua ausência. Era o seu lugar e ele repousou.

O ARCANO MAIOR(OU OS TRUNFOS)

XX- O julgamento

28 de mai. de 2009
















Ele é acusado de existir, o júri oculto o condena a se renovar para sempre. É melhor do que a prisão perpétua dentro de si mesmo. Porém, é impossível se livrar dos grilhões. ele os levará consigo para construir um novo eu. Os outros não devem permanecer presos, devem ser libertos para construir sua nova casa. Construa seu lar com carinho, pois, um dia, o tribunal decidirá derrubá-lo novamente.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

XIX- O sol

27 de mai. de 2009
















Continuar tentando apesar de tudo. É a resistência do tolo. Há mais falhas que acertos. E só há acertos devido às falhas. O guerreiro cego desfere golpes por todos os lados. O sangue amigo e inimigo têm o mesmo cheiro. No final da batalha, milhões de corpos no chão. O prêmio do guerreiro é poder enxerga-los.

O ARCANO MAIOR(OU OS TRUNFOS)

XVIII- A lua

26 de mai. de 2009
















Foram tantos ciclos e ainda assim os sentimentos estão confusos. A idade da criança passou, a idade do jovem passou, a idade do adulto passou, a idade do velho passou. Quatro estações, quatro elementos, quatro luas ao mesmo tempo. Você é a soma de perdas, a subtração da personalidade, a multiplicação de pensamentos e a divisão da alma. Desdobre sua equação e o resultado será o infinito.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

XVII- A estrela

22 de mai. de 2009
















E ainda assim há uma esperança! Às vezes ela parece tão tola, e às vezes parece tão bela. Sempre aparecendo em pontos estratégicos, uma verdadeira amiga, fiel, companheira. Deixe-se levar, sofrido andarilho. A mão da esperança é doce, suas palavras sempre são de encorajamento. Você já a abandonou diversas vezes e ela sempre retorna para te guiar. Repare como ela tem olhos misteriosos, é como se conhecesse um segredo.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

XVI- A torre

















Durante a queda, ele acorda. Há tempo para pensar em tudo. Mas a única pergunta é onde ele irá chegar quando ultrapassar o chão. Ele deve ter subido alto demais, pois ainda não consegue avistar sua sombra. Ele sabe que a queda irá doer e que despedaçará sua alma, mas a única coisa em que consegue pensar é: para onde vou quando ultrapassar o chão?

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

XV- O diabo

20 de mai. de 2009
















Se não há lugar a chegar, é melhor parar e se divertir. Tudo o que foi aprendido foi um desperdício. As boa coisas ficaram pelo caminho. O egoísmo é a única proteção que funciona. Ele experimenta o sexo ao extremo, a libertinagem máxima, entorpece a mente e deteriora a alma. Ah, ele quer se acabar de prazer! Ele ficará estacionado aqui por algumas eternidades, até descobrir que nada é eterno. O mandamento de satã é sábio: se alguém cruzar seu caminho, peça-o para sair. Se ele não sair, destrua-o.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

XIV- A temperança

19 de mai. de 2009
















A tempestade se foi. Os olhos do louco parecem calmos novamente. Será a resignação definitiva? Ele sabe que não. A calma que sente lhe permite pensar. Ele não conhece a si, ele não sabe aonde vai, ele não vê o caminho. Ele já deixou tantos alter-egos para trás. A bonança é passageira. Em breve, o furacão vai voltar. Aproveite a calma e descanse. Em instantes, você será expulso de seu castelo.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

XIII- A morte (ou O arcano sem nome)

18 de mai. de 2009
















Ele é outro. Ele não sabe como, mas sabe que se tornou outro. Transmutado, renascido e ainda assim o mesmo. O que mudou além desse sentimento? Ele não consegue dar nome a isso. A estrada ainda lhe parece longa. As cicatrizes do antes ainda doem, há feridas abertas, lágrimas que não secaram. Mas ele é outro, ele sabe. Olhando para trás, ele consegue se ver, e sabe que aquele que foi deixado para trás não pode mais ser chamado de si mesmo.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

XII- O enforcado (ou O pendurado)

















O abismo está próximo. A certeza da incerteza o abandonou. Ele está pendurado em suas dúvidas e resoluções. Algo se aproxima, ele sente. Não consegue lhe dar um nome. É só uma vontade, uma hesitação em virar a página. Tudo o que ele aprendeu sufoca sua garganta, apertando a corda cada vez mais, até que ele entra vagarosamente na escuridão.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

XI- A força

15 de mai. de 2009
















O pleno domínio de si chama-se incerteza. Quando há esse sentimento, há uma sensação de poder falha: saber que não se sabe, conhecer que desconhece. Mas como é um sentimento incerto, não é possível saber se ele foi alcançado. Apenas pensa-se que sim. Então nasce um sábio ao qual a sabedoria é reconhecer que não sabe e ter a certeza de que até mesmo isso é incerto.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

X- A roda da fortuna

















E eis que ele muda novamente. Seu mundo está de cabeça para baixo. Seus pensamentos estão arejados, e ele percebe que o melhor é não pensar. E eis que ele muda novamente. Um ouvido virado para o céu e o outro para a terra. E ele não consegue ouvir nenhuma voz, talvez o melhor seja não ouvir. E eis que ele muda novamente e seus olhos agora alcançam o horizonte, mas o mundo gira e gira...

O ARCANO MAIOR(OU OS TRUNFOS)

IX- O eremita

14 de mai. de 2009

















Não é mais um passeio, é uma peregrinação. Há um propósito para cada passo, não é apenas o ato de caminhar. Seu olhar é sério como se a vida também fosse. Ele precisa conhecer as casas onde mora o seu destino, percorrê-las uma a uma. É uma peregrinação. Ele é um transeunte em sua própria existência. E do outro lado da estrada, há alguém o esperando, alguém que ele quer conhecer. Mas para isso é necessário sujar os pés com o pó do caminho.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

VIII- A justiça

















Seus olhos têm a arrogância de achar que aprenderam a ver. Ele sente- se equilibrado. A balança está imóvel, imparcial. O andarilho está calmo como se conhecesse o mundo. Agora tudo é lógico, mesmo que caótico. Ele se abstém das respostas, contenta-se coma as perguntas. Talvez agora somente a curiosidade o impulsione ou a própria roda da vida. Ele não quer saber, não importa.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

VII- O carro

13 de mai. de 2009
















Ele descobre o que quer. Está feliz, é um vitorioso. Ele utiliza seus talentos para ajudar no percurso. Seus dons ajudam a refletir, a repensar nos propósitos do caminho. E, ao pensar, na felicidade ele encontra a tristeza. Cada uma delas segura em uma de suas mãos. Cada uma delas está ao seu lado no carro. E a estrada parece se prolongar.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

VI- Os amantes

12 de mai. de 2009
















A escolha é sempre uma luta entre ele e ele mesmo. É tão fácil criar antagonismos: bem e mal, homem e mulher, inocência e maturidade, amor e ódio, vida e morte. Se há paixão, a escolha é mais rápida. A iniciação sempre causa medo, mas, no caminho, é sempre necessário começar. Perder a castidade, a inocência, as ilusões, a vida e até mesmo o amor.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

V- O papa

11 de mai. de 2009
















Todos sabem o que é certo, mas a consciência falha. O outro eu está sempre por perto, cochichando em seu ouvido. Ele é a metade que lhe impede de ser pior. Ele mora em sua mente, em suas crenças, em sua aldeia. Ele é a voz que o julga e o aconselha. Talvez isso seja apenas mais um efeito da loucura. É o que ele diz a si próprio quando não se quer ouvir.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

IV- O imperador

8 de mai. de 2009
















Subir tão alto até subjugar o céu. Ele tem uma escada feita de pessoas. A gargalhada do poder causa terremotos terríveis, seu olhar cega, sua voz ensurdece, sua presença emudece, sua mão esmaga corações. Talvez o caminho terminou agora. O que há além disso? A dúvida é a prova de que ainda é necessário andar. Mas se seus passos precisam seguir, que seus pés pisem em tijolos de ouro.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

III- A imperatriz

7 de mai. de 2009
















A sabedoria deveria guiar o mundo. A governante ideal, o casamento entre a razão e os sentimentos. O idealista lutará com todas as suas forças para que a sabedoria seja a imperatriz do mundo. Mas ela tem um sorriso amargo, um olhar de resignação e piedade... e a coroa permanece em suas mãos.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

II- A papisa (ou A sacerdotisa)

6 de mai. de 2009
















Os perigos pelo caminho o forçaram a se esconder diversas vezes. A proteção tem vários nomes: útero, lugar secreto, colo, abraço e lábios, deus e deusa. Muitas vezes, seu nome é egoísmo. Dê a mão à mãe para atravessar para o outro lado. O medo também pode impulsionar. Segue, sempre haverá um abrigo, mesmo que desmoronado.

O ARCANO MAIOR(OU OS TRUNFOS)

I- O mago

5 de mai. de 2009
















Ele olha para suas mãos que criam. Ele admira-se com sua própria sabedoria. Ele quer a razão, mas precisa do misticismo. A magia de poder adorar a própria criação. Às vezes ele não consegue. Enganar-se é fácil, mas sua mente rebelde o desafia a pensar sobre o que ele já havia esquecido: Deus foi criado à sua imagem e semelhança.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

0- O louco

4 de mai. de 2009
















E o louco percorrerá o caminho do mundo. A inconsciência o guiará em sua busca por si mesmo. O círculo do auto-conhecimento, o fim que é o começo. E o louco irá sorrir, imaginando que encontrou a sanidade, sentirá saudades do percurso sem perceber que os olhos fixos da loucura ainda estampam seu rosto. As várias mortes e os vários nascimentos não o farão perceber que ele nunca quis mudar.

O ARCANO MAIOR (OU OS TRUNFOS)

A metamorfose de Hermenegildo

16 de abr. de 2009










WASLEY VIANA


Inspirado na obra de Franz Kafka “A Metamorfose”

Numa certa manhã de sábado, Hermenegildo acordou transformado num pequeno peixe muito apreciado pelo povo da região. Estava deitado de lado, já que metamorfoseado em peixe não era possível ficar em pé ou de barriga para cima. Tentando observar seu corpo, não teve dúvidas de sua real mudança. Não se encontrava coberto, porque odiava cobertores e remexendo-se todo pensou:
Minha virgem santa! Eu virei um peixe!
Ele não estava sonhando, pois estava no seu quarto. Tudo deixado do jeito que vira ontem e se lamuriou:
Viu o que aconteceu, seu idiota! Tanto tempo trabalhando de pescador, cheirando a peixe morto, tomando sol e chuva e ainda sustentando um sogro preguiçoso que diz estar sentindo reumatismo... me diz, o que você ganhou com isso? Agora estou transformado em peixe, grande recompensa. Só aguento esta vida miserável por causa de Rosaura e Aninha. E agora estou transformado em peixe- repetiu.
Sentiu vontade de rir quando lembrava do que dissera a esposa; que qualquer dia iria de transformar em peixe. A coisa toda é por demais irônica. Súbito, Hermenegildo sentiu que se esvaía o ar de suas brânquias e sem oxigênio começou a debater-se na cama, dando pinotes.
Eu vou morrer!- pensou, desesperado.
Nesse instante, a filha de Hermenegildo abriu a porta dizendo:
Papai, já tá tarde e mamãe falou pro senhor se levantar.
A menina viu que seu pai não estava lá. Apenas um peixe que pulava na cama.
Um peixe na cama?- disse ela, aproximando-se e pegando Hermenegildo, levando ele para a cozinha.
Chegando lá, Aninha colocou o peixe num balde com água. O pescador agradeceu aos céus pela salvação. Um pouco próxima, estava a mulher dele, mexendo no fogão.
Chamou seu pai?- perguntou ela.
Chamei... mas papai não estava lá- respondeu a menina- só aquele peixe ali.
Rosaura olhou para o balde que estava perto dele e viu que realmente havia um peixe que não se encontrava lá.
Esse peixe estava na cama?
Aninha confirmou meneando a cabeça.
Você disse que seu pai não estava no quarto. No entanto, quando acordei, ele se encontrava lá, dormindo tranquilamente.
Então quer dizer que me transformei um pouco antes de acordar - pensou ele.
Eu vou para o quarto- disse a mulher.
Caminhando não muito devagar, Rosaura passando na sala, viu seu pai sentado no sofá, assistindo tevê. Não chegaram a conversar. No quarto, ainda sem abrir a porta, num tom alto, ela gritou o nome do marido.
Hermenegildo! Acorde!
Não ouvindo nenhum ruído, Rosaura abriu a porta e viu que seu esposo não estava lá. Na sala, perguntou ao pai:
O senhor viu Hermenegildo saindo, pai?
Não!- disse o velho, seguro no controle remoto.
Aonde esse homem se meteu, meu Deus?- perguntou para si mesma.
E, no balde, Hermenegildo circulava e pensava.
Preciso falar com Rosaura. Dizer que me transformei.
Oi, peixinho!- disse Aninha, assustando o pescador.
É isso!- pensou- vou conversar com Aninha e lhe explicar tudo.
Porém, quando começou a falar, ele percebeu que não saía som algum de sua boca e desanimou-se.
O que está fazendo? Perguntou a menina, parece que está querendo falar algo.
Hermenegildo tentou novamente, mas não teve sucesso. As horas passaram-se até que o pai de Rosaura falou:
Estou com fome! Já é meio-dia!
Vou preparar o almoço, já que quando Hermenegildo chegar estará faminto- disse ela.
Chegando na cozinha, Rosaura viu que o peixe que sua filha encontrara supostamente no quarto, ainda estava no balde e resolveu olhá-lo.
Olá! Exclamou Rosaura.
Hermenegildo ficou ansioso, sua esposa havia chegado. Mas, infelizmente, não pôde se comunicar com ela.
Ora, você é o peixe preferido de Hermenegildo!- disse Rosaura, excitada- vou prepará-lo para quando ele chegar, ele te comer.
Hermenegildo apavorou-se. Sua própria mulher pretendia matá-lo. Debatendo-se com todas as suas forças, o pobre pescador tentava escapulir das mãos de Rosaura, mas foi em vão. Colocando-o na pia, a esposa de Hermenegildo pegou uma faca e começou a descamá-lo. Com uma dor nunca antes sentida, o pescador testemunhou o sofrimento e a agonia de todos os peixes que pegara e fizera o mesmo processo, e naquele instante, pelo seu ponto de vista, ele percebeu que aquilo que estava lhe acontecendo fora uma punição que tinha recebido. Após arrancar as escamas, a mulher enfiou a faca na barriga de Hermenegildo e rasgando-lhe de cima a baixo, retirou as suas tripas e as jogou para o cachorro. Depois de limpo, colocou-lhe numa frigideira e fritou o peixe, para logo em seguida dividi-lo em pequenos pedaços e distribuir para a família. O pedaço deixado para Hermenegildo ficou guardado na geladeira, mas ele nunca veio para saboreá-lo.

Historinha de amor

14 de abr. de 2009














Quando ele a conheceu, ela parecia esconder algo no olhar.
Namoraram, casaram-se, tiveram filhos.
Um dia, ela acordou de madrugada, beijou os filhos, o marido; e atirou-se da janela do oitavo andar.

Palavras podres

13 de abr. de 2009












Pútridas frases apodrecem mortas,
expelem da boca que exala odores,
moribundas saltam causando dores
aos ouvidos frágeis querendo notas.

Decompostas no esterco das palavras,
libertam todo o nojo dos meus versos,
causam vômito nos que são avessos
à textura das minhas podres larvas.

Se causa náusea as palavras que disse,
lamento tanto teu intestino fraco,
pois nosso destino é cuidar do porco

que fuça na lama da nossa alma,
onde a consciência perdeu a calma,
atolada pra sempre na imundície.

Ódio à poesia

8 de abr. de 2009












eu odeio a poesia
dama esnobe que desdenha o que dou:
meu esforço
que não vale a pena
nem a tinta

eu odeio a poesia
que me revela quando eu me oculto
não há um canto escuro
onde eu possa esconder
o que sinta

odeio essa busca
pelas palavras que não vêm
odeio-te
com o mais profundo amor
que eu poderia odiar alguém.

Caeiriana

7 de abr. de 2009











A beleza não está nas coisas.
A beleza é uma qualidade que damos em troca
pelo prazer que as coisas nos proporcionam.
Se algo não me agrada, não me será belo,
porque a beleza é construída por mim.
As coisas são, e existem pelo simples fato de existir.

2 de abr. de 2009












O olhar humano é míope, a arte é uma lente de correção.
1 de abr. de 2009










Um dia, ele acordou dentro de um sonho, e nunca mais quis dormir novamente.
17 de mar. de 2009













Dentro de instantes, virarei o meu rosto
para aquele outro lado que há para ir.
Dentro de instantes, me calarei.
E o sonho será este ou aquele que deixei partir?

Ingratidão

4 de mar. de 2009












Musa ingrata, o que lhe peço é tão pouco:
Somente o gosto de fazer-te bela.
Não peço rimas nem estrofes cultas,
Meu culto é apenas a palavra certa.

Mas o meu ritmo sempre é traído
pelos meus versos tortos que me doem.
Meu esforço já nasce sempre falido,
E os poemas nascidos jamais se constroem.

Juízes 19

2 de mar. de 2009










..me sinto despedaçada a alma parece não ser mais parte de mim uma dor de profunda desilusão por ele ter entregado o meu corpo pela salvação do seu corpo procurei gritar por salvação estendendo as mãos aos céus sem forças para lutar pela vida possuída por algozes destroçados no espírito os sentimentos pisados por alguém que não tem importância a honra que não seja a nossa honra envergonhada é a casca do nosso corpo violado e sem vida pelo estupro vergonhoso do corpo e da mente são os desejos e o medo dos covardes é o desejo e a infâmia dos que temem e fingem não ouvir os gritos de quem estende as mãos por salvação na poeira do chão ensanguentado pelos pedaços de dignidade perdida sem direito ao direito de não ser entregue aos homens pela honra dos homens eu sinto a dor de ser dos homens a minha vida estendendo as mãos de sangue e lágrimas de desilusão profunda pela dor de não ser mais parte de mim se sente despedaçada me sinto..

Não sorria!

19 de fev. de 2009













Assim que abriu a porta do seu apartamento, João passou a ser filmado pela câmera do 6º andar. No elevador, foi filmado juntamente com outros moradores, que também sempre saíam naquele horário. Foi para o estacionamento. A câmera de segurança o filmou entrando em seu carro as 7:15 e, as 7:18, a câmera na portaria do prédio o filmou deixando o condomínio.
João passou devagar por um trecho monitorado por uma câmera contra excessos de velocidade. Antes de chegar ao trabalho, foi filmado pela câmera da padaria onde sempre tomava o seu café. No prédio onde trabalhava, foi filmado diversas vezes pelas câmeras de segurança, em vários ângulos, durante vários momentos do dia. A primeira câmera que o filmava quando entrava era a mesma que o filmava quando saía.
A câmera da portaria de seu prédio o filmou chegando em casa as 18:20, como de costume. A câmera do estacionamento registrou o momento em que ele deixou o carro. No elevador, a câmera o filmou assobiando tranquilamente até chegar ao 6º andar. A câmera de segurança no corredor o filmou entrando em casa exatamente as 18:29.
João assistia a uma reportagem no telejornal. A transmissão acontecia em um local próximo ao seu trabalho. Ele pensou: “Puxa, alguns minutos de atraso e eu teria aparecido na televisão. Por isso que é bom a gente sempre estar elegante.” E deu uma piscadinha para uma câmera imaginária.

Rosa verdadeira

17 de fev. de 2009












Regina amava Daniel. Porém, ele a via apenas como sua melhor amiga. E para piorar a situação, Daniel estava apaixonado por uma amiga de Regina e vivia pedindo para ela dar uma forcinha. “ Um drama típico de novela”, pensava ela.

Em um belo dia de primavera (era realmente um belo dia de primavera, não é apenas para dar clima à história), os dois estavam sentados em um banco no parque da cidade. Daniel finalmente fez uma pergunta relacionada à Regina e não à sua amiga. “Uh, demorou! Até que enfim ele reparou em mim.” Pensou ela, já cansada da cegueira do seu “grande amor”. Daniel perguntou se Regina já havia tido algum namorado antes. (Desculpem meu descaso, esqueci de dizer que os dois eram adolescentes. Assim a pergunta dele não parecerá idiota.)

Regina explicou que uma vez namorou um cara que ela gostava muito. Porém, um dia, ele a presenteou com uma rosa. depois disso, ela se desinteressou e terminou o namoro. “Como assim?” Perguntou Daniel sem entender. “Era uma rosa de plástico. Como alguém que ama pode dar uma rosa de plástico? É sinal de que o amor também é falso. Quem ama de verdade dá uma rosa verdadeira.” infelizmente, o papo terminou por aí. Daniel voltou a falar da outra e Regina voltou à sua tristeza habitual.

Mas algo estranho começou a acontecer com o rapaz. Ele não parava de pensar em Regina e no que ela lhe disse. O rosto da menina sempre aparecia na sua mente nas horas em que ele menos esperava. Fazia duas semanas que ele não a via, não conseguia contactá-la pelo celular nem por e-mail ou msn. Já estava decidido a ir procurá-la quando alguém bateu à porta. Era um carteiro com uma encomenda para Daniel. Junto com o embrulho, havia um bilhete de Regina. Ela havia se mudado com a família a uma semana, não escreveu o endereço de sua nova casa, a correspondência estava com o endereço antigo. Era um bilhete de despedida.

Daniel ficou abalado, entrou em casa sentindo um vazio crescendo dentro do seu peito, abriu o embrulho aos poucos, sem conseguir tirar a imagem de Regina de sua mente. Ao ver o que era, suas mãos tremeram. O cheiro doce espalhou-se vagarosamente pelo ar. Era uma rosa verdadeira.

O bem e/ é o mal

13 de fev. de 2009




Cubra
o
sol
e as sombras

sumirão

microconto

11 de fev. de 2009













Dois amigos conversam:

-Veja só essa imensidão! Às vezes fico imaginando como o mundo é vasto. Tudo funciona tão perfeitamente como se um ser inteligente estivesse por trás de tudo.

- Mas é justamente isso o que dizem, e vão mais além; dizem que o universo em que vivemos pode ser um enorme ser vivo.

- Você está brincando...

- Não! E dizem também que a nossa presença aqui afeta o equilíbrio orgânico da criatura, podendo levá-la até mesmo à morte.

- É difícil de acreditar. E se ele morresse? O que seria de nós?

- Não sei, mas dizem que existem milhões de universos vivos iguais a ele, todos habitados por seres iguais a nós.

- Bem, chega de tolices! Acabei de ver uma molécula de glicose prontinha para ser capturada.

E as duas bactérias saem, balançando seus flagelos.

Tinta etérea

9 de fev. de 2009











Não se deveria escrever no papel,
nem tampouco na tela de um computador,
as palavras que gostaríamos que lessem.
Deveríamos escrevê-las diretamente no coração de quem lê,
para que ali ficassem grudadas para sempre aos seus sentimentos.
Deveria-se escrever nas mentes e nas almas
dos que estão adormecidos;
ler alto o discurso camuflado
dos que não querem ser entendidos.
As palavras deveriam ser traçadas em sangue
e escritas com ferro em brasa,
para que, ao morrer, as levássemos conosco;
misturadas à nossa essência, encravadas em nossa alma.