Somewhere in time- parte final

20 de dez. de 2014
















Londres, algum lugar no futuro



McBrain acompanhou o Sr. Edward até a sala secreta, na sede da WSF. McBrain mostrou-lhe a caixa de Metalium com os documentos secretos. Era possível perceber o prazer no olhar do Sr. Edward ao ver os documentos pela primeira vez.

- Finalmente. Você não imagina como esse documentos foram citados no meu treinamento.

- Imagino sim. Passei pelo mesmo treinamento. Mas penso que  você esteja mais interessado ainda nas minhas revelações finais.

- Sim, esperei anos por isso. 

Edward seria o substituto de McBrain na chefia da WSF. Ele precisava ter acesso às informações que ainda desconhecia. Partiram para o Laboratório Central de Londres. Em uma sala, conservado em uma câmara criogênica, estava um fóssil congelado. Edward aproximou-se para observar. Eram os esqueletos de três homens, cada um segurando uma cápsula eletrônica. Na noite em que Steve e Bruce partiram, McBrain já sabia sobre o destino deles. Foi por isso que ordenou que enterrassem a caixa logo depois da perseguição em Londres, pois morreriam brevemente e era necessário passar adiante as informações vitais para o futuro. 

Quatro anos antes, McBrain realmente não sabia sobre o futuro. As informações da caixa permitiam saber apenas que a última perseguição a Alexandre havia acontecido em Londres, em 1666. Daí em diante não sabiam mais nada. Se Alexandre e os agentes tivessem permanecido no passado, a qualquer momento da história poderiam causar a entropia. Os líderes da WSF permaneceriam angustiados pela dúvida, pois os efeitos da catástrofe temporal poderiam acontecer a qualquer momento, poderia levar minutos, anos, séculos, milênios, mas se o passado tivesse sido alterado, uma hora ou outra a entropia poderia destruir o universo. 

Mesmo se Alexandre voltasse para o futuro, ainda havia o risco de ele ter descoberto o segredo que tanto procurava. Isso, com certeza, modificaria o mundo como o conheciam, e poderia também levá-lo à destruição, pois o homem não estava preparado para conhecer os segredos cósmicos. A única saída seria Steve e Bruce capturarem Alexandre e levá-lo até a WSF. Se ele não tivesse conseguido seu objetivo, seria apenas preso. Mas se tivesse conseguido, pelo bem da humanidade, deveria ser morto. 

Com a descoberta dos fósseis, McBrain e todos os líderes da WSF se sentiram aliviados. As análises comprovavam que eles haviam ido direto de 1666 até o incidente na Antártida. Era a prova de que Alexandre e os agentes haviam morrido no passado, impedindo-os de cometerem possíveis modificações na história e guardando para sempre o segredo que Alexandre buscava. McBrain levou seus melhores agentes para a morte naquela noite. Ele sabia que eles não retornariam. Foram dois minutos que pareceram séculos, dois minutos de culpa. Naquela nite, ele decidiu que iria se aposentar. Através dos estudos dos cientistas, foi possível saber o que havia acontecido mil anos antes , naquela caverna da Antártida. McBrain explicava para o Sr. Edward. ,as nenhuma explicação poderia exprimir a sensação de de desespero de Steve e Bruce ao verem Alexandre destruindo sua cápsula temporal.

Por Deus, o que você fez, seu louco! Gritou Steve, desesperado.

Ele quebrou a cápsula. Sem, ela as nossas também não funcionam. Maldito, você nos prendeu no passado para sempre.

Sei muito bem o que me espera no futuro, prefiro morrer aqui. É o fim para nós três.

Filho da puta! Steve avançou sobre Alexandre e agarrou-lhe o pescoço.

Steve, espere. Talvez haja uma chance...
Steve respondeu, mas sua voz foi abafada pelo estrondo da explosão. Toneladas de pedra caíam sobre o corpo de Bruce. Steve largou o pescoço de Alexandre e correu para junto de seu amigo.

Bruce, não! Olhe o que você fez, miserável! Steve estava fora de si. Nem todo o seu treinamento poderia acalmá-lo naquela hora. Ele avançou como um louco sobre Alexandre, os dois já entendiam o que estava acontecendo. O vulcão havia entrado em erupção. A lava jorrava pelas frestas da caverna e começava a cobrir as pedras sobre o corpo caído de Bruce.

Nós vamos morrer, maldito, por sua culpa! Bruce estrangulava Alexandre. O jovem retirou um punhal que trazai consigo e perfurou o abdômen de Steve. O agente caiu gemendo no chão. Alexandre encostou-se na parede. O terremoto continuava. A lava se aproximava, cobrindoas pedras e o agentes mortos. Em breve ela a alcançaria. Alexandre pensou em sua casa, em seus pais, no futuro ao qual ele pertencia. Ele morreria ali, sozinho em uma terra gelada e fria, fora do seu tempo. Todos os seus sonhos estavam perdidos. Alexandre observou o punhal ensangüentado. O vapor do gelo derretido penetrava por suas narinas, quase o entorpecendo. Ele cortou os pulsos profundamnete e vagarosamnete. Enquanto o sangue escorria, Alexandre fechava os olhos cheios de lágrimas. Parecia que ele flutuava. Era quase possível ver o seu próprio corpo sendo soterrado pelas pedras e coberto pela lava.

Somewhere in time- parte sete

12 de dez. de 2014





Antártida- algum lugar no passado


Steve e Bruce perseguem seu alvo dentro de uma caverna gelada nas montanhas transantárticas, onde um vulcão ativo começa a lançar cinzas ao céu. Alexandre tenta despistá-los, pois não partiria dali sem o que veio buscar. Ele havia recolhido várias pistas em diversas épocas da história que o levaram até aquela caverna. O segredo do universo poderia estar ali, a poucos metros dele. Ele não podia desistir. Os agentes da WSF o seguiam implacavelmente pelos corredores de gelo. Alexandre ficou sem saída, estava encurralado. Ao longe era possível ouvir o barulho do vulcão próximo à caverna. Steve e Bruce pegaram suas cápsulas e foram se aproximando aos poucos. Alexandre percebeu a situação. Estava tudo perdido.
Continua...

Somewhere in time- parte seis

5 de dez. de 2014





Londres, Algum lugar no futuro


McBrain recebe os agentes Steve e Bruce. É a primeira vez que se veem pessoalmente. Os três eram os agentes mais importantes da WSF.



Desde crianças foram criados com recursos da agência e, na adolescência, começaram a ser treinados; McBrain para ser o chefe, Steve e Bruce para serem os melhores agentes. Os dois amigos nunca compreenderam o porquê, mas sabiam que um dia precisariam de todos os seus conhecimentos. Esse dia havia chegado.



McBrain os levou a uma sala secreta. Guardada em um cofre de proteção magnética estava uma caixa de metal.



- Essa, senhores, é a resposta que procuraram por todas as suas vidas.

- Uma caixa feita de Metalium?

- Sim, ela foi encontrada no deserto do Saara no ano de dois mil e..., nos primeiros testes feitos com o localizador quântico. Como vocês sabem, o Metalium só pode ser localizado dessa forma.

- Sim, mas é estranho. Nessa data o Metalium ainda estava em testes, assim como o localizador.

- Exato. Parece que quem enterrou essa caixa queria que ela fosse descoberta naquele ano.

 - Não estou entendendo.

- Se vocês estão achando estranho, esperem até ver o que há dentro da caixa.

McBrain abriu a tampa e mostrou os objetos para os agentes. Uma estranha sensação de deja-vu tomou conta de Steve e Bruce. Eles sempre sentiam aquilo, mas agora parecia mais forte. Um dos objetos lhes chamou bastante a atenção. Era um quadro com a pintura de um rapaz.

- Meu Deus! Esse... é Alexandre Murray.

- Sim, é ele.

Vendo que seus agentes estavam cada vez mais confusos, McBrain pediu que se sentassem.

- Como disse antes, essa caixa foi encontrada em dois mil e... graças à tecnologia do localizador quântico. Sem ele, creio que ela poderia ficar perdida no deserto para sempre. O fato de ela ser feita de Metalium possibilitou sua localização pelo aparelho quântico. Quem a enterrou sabia disso. Como vocês sabem, através da análise das partículas quânticas é possível saber o período exato de qualquer objeto. Pela análise, a caixa foi enterrada um ano antes da data em que lhes falei.

- Isso é impossível. As pesquisas com Metalium só começaram no ano seguinte.

- Sim, agora vejam os objetos. São documentos históricos. 

McBrain foi retirando e mostrando os documentos um por um.

- Esse foi escrito durante o reinado de Alexandre, o Grande. O autor conta algo interessante. Ele diz que Alexandria recebeu esse nome não em homenagem ao rei da Macedônia, mas sim a outro Alexandre, um oráculo que previu todas as conquistas de Alexandre Magno. O documento foi analisado, é original. Esse outro pertence à Idade Média. É uma parte do diário de Samuel Pepys. Nele, Samuel conta o relato de uma senhora que dizia ter escapado do incêndio de Londres, em 1666, graças a um namorado de sua sobrinha, chamado Adrian, que avisou sobre o incêndio. A sobrinha dela se chamava Jane. Reparem na assinatura do quadro, é o mesmo nome. Há outros documentos, pinturas, desenhos, referências, anotações, todos citando um rapaz loiro, de olhos azuis, de aproximadamente dezenove anos, mas com nomes variados, provavelmente falsos. É o nosso alvo, Alexandre Murray.

Os agentes estavam boquiabertos. Podiam esperar tudo, menos aquilo. Eles viviam exclusivamente por causa de Alexandre. Sabiam tudo a respeito dele; data e hora de nascimento, parentes, amigos, rotina diária, sabiam até o que ele gostava de comer. Eles achavam que Alexandre era um terrorista procurado, mas agora viam que havia algo mais importante. Bruce perguntou:

- Você está querendo dizer que Alexandre é um viajante do tempo? Isso é ridículo.


McBrain continuou:

- Todos esses documentos foram retirados de suas épocas e transportados para dois mil e..., quando foram enterrados todos juntos. É por isso que nunca foram encontrados durante a história. Quem enterrou esses documentos queria apagar a existência de Alexandre Murray do passado para que ninguém descobrisse que as viagens temporais eram possíveis. Tudo isso está anotado nesse relatório que estava junto com as antiguidades, anotações feitas em um tipo de papel que só passou a existir em nosso século.



- Então foi o próprio Alexandre que as escreveu e escondeu os documentos e a caixa?



McBrain hesitou por um instante.


- Apesar de ser lógico, é estranho vocês me perguntarem isso, pois foram vocês mesmos que enterraram a caixa.

- Steve e Bruce estavam atônitos. Mcbrain mostrou as anotações. Havia várias folhas de papel universal,um tipo de papel com aspecto plástico, feito em laboratório, resistente e antipoluente. Nessses papéis havia anotações feitas a caneta. Steve arregalou os olhos.

- É a minha letra!

- Mas como e quando as viagens no tempo serão possíveis? Perguntou Bruce.

- Como vocês sabem, Alexandre tem atualmente quinze anos e é um grande espião. O que vocês não sabem é que as viagens temporais já são possíveis. Foram inventadas secretamente três cápsulas temporais. Elas funcionam com nanotecnologia, baseadas nos princípios da física quântica. Há uma telemetria entre elas; para uma funcionar, as outras duas também precisam estar ativas. Se houver outra cápsula, elas se anulam. Portanto, só pode existir três cápsulas e as três funcionam interligadas. Alexandre está tentando consegui-las. Daqui a quatro anos, um traidor da WSF entregará uma cápsula a Alexandre. Ele sabe que poderíamos impedir isso, ou destruir as outras duas cápsulas para aprisioná-lo no passado, mas ele sabe também que nós nunca faríamos isso. Não podemos mudar o passado. Se fizermos isso, poderá haver uma entropia cósmica que destruiria tudo, todo o universo. Tudo que está escrito nesses documentos precisa acontecer; o passado precisa acontecer para existir o futuro. Por isso deixamos Alexandre agir, apesar de sabermos tudo o que ele fará, como vocês deixaram escrito no relatório. Bruce e Steve, graças às anotações que vocês nos deixaram, as lideranças mundiais criaram a WSF, cuidaram de mim desde criança, pois estava escrito que eu seria o chefe da organização durante o período crítico. Além disso, as anotações nos deixaram indicações de como criar o Metalium, a análise quântica e as cápsulas temporais. Percebem agora porque sempre foram tão importantes?

- Meu Deus, não estou conseguindo nem pensar direito. Disse Bruce. Steve apenas observava sua letra nos documentos, atônito.

- Vocês precisam se preparar. Daqui a quatro anos Alexandre voltará para o passado e vocês o perseguirão.Vocês não podem modificar o passado nem permitir que ele modifique. Não o matem, isso seria fatal para todo o universo.

- Por quê? Há registros de que ele voltou para o futuro?

- Não. Mas não podemos arriscar. McBrain tentou parecer firme, para não perceberem que ele estava omitindo fatos.

- Maldito moleque! O que ele quer com isso?

- Ele tem um motivo, Bruce. Alexandre é vaidoso, ele quer deixar sua marca na história. O nome da cidade de Alexandria comprova isso. Mas o motivo principal é bem maior.

- Qual? Perguntou Steve, curioso.

- Há uma teoria de que o segredo da criação do universo e da humanidade se perdeu em uma determinada época do passado. Quem descobrisse esse segredo teria acesso ao conhecimento infinito e à vida eterna. Alexandre voltou para o passado para descobrir esse segredo.

- E isso realmente existiu?

- Provavelmente não. O que precisamos é impedir uma possível entropia cósmica. Tragam Alexandre vivo. Ele será condenado e talvez morto por seus crimes. Vocês terão quatro anos para se prepararem. No dia três de Agosto de dois mil e..., Alexandre e vocês partirão... como você mesmo escreveu, Steve. 

Os dois agentes levaram algum tempo até se acostumarem com aquelas revelações. McBrain quase não os viu durante os quatro anos seguintes. No dia marcado, eles se encontraram novamente na sede da WSF.

- Como vocês já estudaram, a viagem para um futuro ainda não acontecido é impossível. Portanto, mesmo que passem anos no passado, quando voltarem terão se passado apenas dois minutos. Alexandre acabou de partir. É hora de vocês irem. Eu os esperarei ansioso. Os documentos que vocês nos deixaram nos dizem muitas coisas, mas não falam nada sobre a captura ou não de nosso alvo. Mas confio em vocês. Esperarei esse dois minutos ansiosamente e tenho certeza que verei vocês regressarem com Alexandre. Boa sorte, cavalheiros. 

Steve e Bruce acionaram as cápsulas. McBrain protegeu os olhos. Um forte clarão ofuscou a sala e os dois agentes desapareceram. McBrain sentou-se em sua cadeira e olhou para o relógio. Ele sentia-se mal por haver omitido uma parte da verdade, mas era o destino de todo o universo que estava em jogo. Ele olhou novamente para o relógio. Faltavam dois minutos para a meia-noite. Seriam os dois minutos mais longos de sua vida.

Continua...

Somewhere in time- parte cinco

28 de nov. de 2014












Londres 1666 D.C

É noite. As ruas estão vazias em Pudding Lane. Um casal de jovens parece ignorar o risco dos assaltos. Eles andam despreocupadamente, abraçados, conversando e rindo alto. O rapaz carrega uma garrafa de vinho quase seca. Eles param perto da ponte de Londres, ofegantes e dando gargalhadas.
 
- Você é tão estranho, não acredito que seja daqui.
 
- São tão londrino quanto você. Responde o jovem tomando o último gole de vinho.

- Esses dias que estive com você foram maravilhosos. Você sabe tanta coisa.

- O conhecimento é tudo, Jane. Os poderosos sempre nos privaram do conhecimento porque sabem que isso pode os derrubar. É isso que procuro: o conhecimento total.

- Mas você já sabe tantas coisas, não precisa aprender mais nada.

- Você é tão ingênua, Jane. Olhe para as estrelas, pense no universo, como você acha que tudo isso foi criado? Esse é o maior segredo. O segredo que sempre nos foi privado e que um dia eu vou descobrir.
Eles ficam em silêncio por um instante. Pouco depois, o jovem olha para sua companheira com os olhos embriagados.

- Hoje é vinte e oito de Agosto.

- O quê?

- Dia dois de Setembro acontecerá algo terrível em Londres. Vá para a margem sul do Tâmisa um dia antes. Lá estará segura.

- Não posso fazer isso. A minha tia não vai concordar. Ela já está muito velha e não deixa a nossa casa para nada.

- Jane, não vai sobrar nada da sua casa. Se sua tia não quiser ir, vá sozinha, senão as duas morrerão.

- Você está me deixando com medo, o que vai acontecer?

- Não posso dizer. É perigoso demais.

Jane lembrou-se do dia em que o conheceu. Os olhos azuis e a inteligência do rapaz a conquistaram. Adrian era especial, diferente de todos os homens que ela havia conhecido. Ele parecia saber sobre tudo; às vezes, até mesmo sobre o futuro.

- Eu confio em você, Adrian. Você já acertou várias previsões antes. Chega a me assustar às vezes. Se eu fosse religiosa, diria que você tem um pacto com o demônio. Os olhos azuis do rapaz fitavam Jane com carinho.

- Gostaria tanto que você viesse comigo, porém isso é impossível.
Jane acariciou-lhe os cabelos loiros e disse algumas palavras. Adrian não a ouviu, pois prestava atenção em dois vultos que corriam em sua direção.

- Vamos sair daqui, Jane! São eles.

Jane nunca tinha visto os dois homens antes, porém, o rapaz já havia lhe falado sobre eles e sobre a possibilidade de eles aparecerem a qualquer momento em seu encalço. Jane imaginava que seu amante poderia ser um criminoso, mas ele a acalmou dizendo que os homens não eram da polícia, mas mesmo assim eram muito perigosos. Jane não era medrosa, vivia com a tia doente em uma humilde casa, trabalhava nas feiras e pintava quadros nos dias de folga. Chegava a vender alguns retratos e paisagens de vez em quando. Porém, ela não queria que nada de mal acontecesse à tia, por isso ficou com medo. Correram em direção a casa de Jane, passando por vielas para despistar os dois homens. Quando estavam próximos da casa, pararam.

- Acho que os despistamos. Não estou os vendo mais.

- Pois então vamos entrar antes que nos encontrem.

A moça abriu a porta e os dois entraram na humilde casa. A tia de Jane já estava dormindo. Foram para o quarto da moça que servia também de ateliê. No centro do quarto havia um quadro que a jovem pintara recentemente: um retrato de Adrian. O jovem percebeu que Jane estava preocupada. Ele a abraçou e beijou.

- Não quero que corra perigo por minha causa. Partirei amanhã.

- Não, fique comigo.

- Eu sou um viajante solitário, Jane. Mesmo que eu quisesse não poderia te levar. Eu sou um estranho em todos os lugares em que vou. Sinto tanta saudade de casa; às vezes acho que gastei todos esses anos por nada.

- Mas você é tão jovem, Adrian. Você tem todo tempo do mundo para alcançar seus objetivos.
Ele a fitou por alguns instantes.

- Sim, eu tenho todo o tempo do mundo, mas minha vida é feita de mentiras.

- Como assim?

- Não importa. O rapaz a abraçou novamente.

- Prometa que no primeiro dia de setembro irá para a outra margem do Tâmisa.

- Você disse que sua vida é feita de mentiras. Para eu acreditar, você precisa me dizer o que vai acontecer. Ele aproximou-se e disse algo no ouvido da jovem. Jane estremeceu, mas não teve tempo de dizer nada. Os dois perseguidores quebraram a porta do quarto e investiram contra os dois. O quarto foi destruído pela luta. No final, Adrian e Jane tinham sido subjugados.

- Finalmente o pegamos! Achou que poderia fugir para sempre?
Adrian não respondeu, pois surgiu uma chance para escapar. A tia de Jane apareceu no quarto, acordada pelo barulho. Ao ver a sobrinha segura por um dos homens desconhecidos, começou a gritar. Adrian aproveitou, desvencilhou-se do homem que o segurava e fugiu agilmente pela janela.

- Maldição, ele fugiu! Vamos atrás dele.

- Espere. Ordenou o outro, caminhando em direção ao quadro do rapaz, pintado por Jane.

- É o último item que procurávamos.

- Deixem meu quadro em paz, gritava Jane, amparando sua tia que havia desmaiado.

- Um dos homens pegou o retrato, enrolou cuidadosamente e colocou dentro da bolsa que carregava.

- Chegou o momento. Disse ele, misteriosamente para o outro.

- Sim, vamos ter que dar uma pausa na perseguição.

- Mas porque o chefe pediu para fazermos isso nessa data?

- Ele não disse, mas acho que é porque as anotações vão somente até aqui. Ele não quer arriscar. Ninguém sabe o que vai acontecer a partir de agora. Esse é o momento mais perigoso. Precisamos fazer uma última anotação, não podemos colocá-la junto com as outras mas talvez consigamos fazer com que ela chegue ao chefe de alguma forma.

Enquanto falava, o homem apanhou um objeto que Jane achou muito estranho. Logo após, começou a movimentá-lo no ar. Uma pequena luz vermelha piscou no objeto.

- Captei a movimentação quântica. Ele já foi, registrei o próximo destino.

Um dos homens começou a escrever em um papel que tirara da bolsa. Depois o deixaram em cima da mesa enquanto conferiam os outros papéis e objetos da bolsa. Jane aproveitou-se da situação e escondeu o estranho papel.

- Você viu se guardei as últimas anotações?

- Não sei, acho que sim. Não há mais nada por aqui.

- Então vamos, não podemos perder tempo. Os homens saíram sem se preocupar com Jane. Sua tia acordou logo em seguida, assustada. Jane a acalmou e disse que estava tudo bem por enquanto.

- Esses homens não vão mais nos incomodar. Estavam atrás de Adrian, e pelo jeito, nenhum deles vai voltar. Tia, amanhã temos que preparar nossas coisas. Precisamos sair daqui.

- Mas você disse que eles não vão voltar.

- Não é por causa deles. Vai acontecer algo terrível em breve, precisamos fugir.

A tia de Jane não entendeu nada, ficou resmungando enquanto Jane lia as anotações feitas pelos homens. A tinta e o papel eram muito estranhos, mas o conteúdo era mais estranho ainda. Havia palavras que Jane desconhecia completamente. Ela ficou com medo de que os homens voltassem para procurar o papel e o queimou na chama da vela. Porém, uma palavra ficou em sua mente, uma das palavras mais estranhas em meio a tantas outras. Ao dormir, Jane pensava em Adrian e pronunciava baixinho a palavra que se perdia aos poucos em meio à escuridão: Antártida... Antártida...
Continua...

Somewhere in time- parte quatro

21 de nov. de 2014
















Deserto do Saara, algum lugar no futuro
 
É noite. O vento frio do deserto sopra sobre os dois homens encapuzados que cavam na areia. Ao lado deles há uma caixa feita de um metal desconhecido, semelhante ao alumínio. Eles enterram a caixa no buraco. Logo após, cada um deles retira uma cápsula eletrônica escondida entre suas roupas de nômade. Há um clarão, e logo depois... o silêncio.



Continua...

Somewhere in time- parte três

1 de out. de 2014












Londres, dois dias antes




O cerco estava se fechando para McBrain. As lideranças mundiais cobravam uma investida drástica no caso. "Eles acham que é fácil", pensava ele. A World Security Force (Força de Segurança Mundial) estava com tudo sob controle. Do que eles tinham medo? 

Apesar dessa aparente confiança, McBrain sabia que o caso era grave. Toda a sociedade como conheciam estava ameaçada, poderia ser o fim de tudo o que existia ou o começo de algo simplesmente inconcebível para a mente humana. E tudo por causa de um garoto intrometido. 

McBrain tinha 45 anos e havia se tornado o chefe da WSF aos 25, depois de um minucioso e vigoroso treinamento intelectual, psicológico e físico. Quando assumiu a liderança da WSF, todas as revelações foram feitas e ele finalmente percebeu porque o tratavam com tanta importância. McBrain então passou a esperar que acontecesse o que estava escrito nos documentos, como se eles fossem pergaminhos proféticos. Há 15 anos suas expectativas se transformaram em certezas. As cápsulas foram criadas na data exata que estava escrita nos documentos e, dois dias depois, a criança nasceu. Era necessário apenas um teste de identificação. 


A WSF tinha acesso a todos os registros eletrônicos de nascimento de todo o mundo. Os avanços tecnológicos dos últimos séculos permitiam identificar qualquer pessoa através da análise quântica de sua estrutura. Quando Alexandre nasceu eles tiveram a certeza que haviam encontrado o motivo de suas preocupações. A análise quântica do recém nascido era idêntica aos resquícios quânticos medidos pelos aparelhos nos documentos encontrados há duzentos anos, comprovando que eles diziam a verdade. 

Desde aquele dia, Alexandre foi vigiado pelos agentes da WSF. Era necessário saber tudo o que ele fazia, vigiá-lo e ao mesmo tempo protegê-lo, mesmo que a WSF e todos os líderes mundiais ligados a ela o odiassem pelo o que ele ia fazer. Era uma terrível contradição. Eles deveriam assegurar que Alexandre fizesse tudo o que ele pretendia, mas ao mesmo tempo queriam matá-lo por causa disso. Porém, eles só poderiam matá-lo depois que tudo estivesse esclarecido. E esse era justamente o problema. Nenhum deles tinha ideia do que iria acontecer. Os documentos secretos possibilitavam uma noção exata do que havia acontecido até um certo momento, mas depois tudo ficava obscuro. 

McBrain sabia que depois do que estava para acontecer, não haveria mais garantia de que o mundo continuaria existindo. McBrain estava absorvido pelo seus pensamentos quando seu chip-celular secreto tocou. O chefe da WSF ficou boquiaberto, saiu rapidamente acompanhado de seus seguranças e rumou o mais rápido possível até o laboratório central. 

McBrain quase não pôde acreditar. Uma semana antes havia sido encontrado um fóssil em uma profunda caverna nas geleiras da Antártida. McBrain não deu muita atenção à notícia, mas agora parecia que só aquele fóssil importava. Ele pediu todos os relatórios até aquele momento. Os cientistas explicaram tudo. McBrain não pode conter o sorriso de satisfação e alívio.

- Por Deus, estamos salvos! 

Ele pegou o chip celular e ligou imediatamente para a central da WSF.

- Parem de perseguir Alexandre. Deixem que ele faça tudo o que ele quiser. E marquem um encontro com os agentes Steve e Bruce. Já é hora de nos conhecermos pessoalmente.

Continua...

Somewhere in time- parte dois

24 de ago. de 2014










Londres, algum lugar no futuro

Alexandre acorda assustado. Novamente a noite foi repleta de pesadelos. Ele olha ao redor para ter certeza de que está em casa. Sua mão faz um gesto e aciona à distância o teclado virtual do computador. O relógio tridimensional é projetado acima da cama, são dez horas da manhã. Alexandre aciona outro botão e inicia a programação do café-da-manhã. Ao chegar à sala um holograma é acionado; é sua mãe: “ filho, seu pai e eu fomos à casa de sua avó, retornaremos ao anoitecer. Hoje é domingo, divirta-se.” 

Alexandre já não se incomodava mais com os conselhos de sua mãe para que se divertisse. Ele tinha acabado de completar quinze anos e não fazia nada que os adolescentes comuns costumavam fazer. Os amigos de Alexandre gostavam de utilizar o simulador de realidade para várias coisas. Nos finais-de-semana eles o usavam para jogar, desde futebol até simulações de aventuras espaciais. Desde criança, Alexandre era diferente. Frequentemente, ele parava durante uma determinada situação e olhava ao redor, observando. Quando o perguntavam, ele dizia que tinha a impressão de que aquilo já havia acontecido com ele antes, ou que ele já havia estado naquele lugar. Mais tarde ele descobriu que aquela sensação se chamava deja-vu.

Alexandre foi aos poucos se tornando mais isolado, seus amigos de infância se distanciaram. Todos achavam que ele era autista, inclusive seus pais. Alexandre, por sua vez, não fazia questão de amigos, ele achava as pessoas simplistas demais, conformistas, presas em seus mundinhos fechados. Ele gostava de ler, era o melhor aluno da escola, embora fosse indisciplinado e irônico com os professores. Acabou fazendo alguns amigos, mas nunca houve uma amizade profunda e verdadeira. Enquanto eles usavam e abusavam do simulador de realidade, Alexandre gostava da realidade em si. Nas férias, ele gostava de ir aos poucos reservatórios ecológicos da Inglaterra e procurar espécies de plantas e animais praticamente extintos. Na escola, as sensações de deja-vu se aprofundaram. Durante as aulas de história, Alexandre sentia como se nomes e lugares históricos estivessem relacionados a ele, era como se algum dia ele tivesse estado naqueles lugares e era uma sensação maravilhosa. Porém, algumas coisas o assustavam. 

Os pais de Alexandre chegaram a achar que ele era esquizofrênico, pois desde os oito anos de idade ele comentava que era perseguido por homens estranhos que o vigiavam, comunicando -se entre si, como se estivessem vigiando seus passos. Seus pais chegaram a informar a policia e a contratar seguranças. Mas, a própria policia acabou abandonando o caso dizendo que se tratava da imaginação do menino e os seguranças, estranhamente, desapareciam ou pediam demissão e nunca mais eram vistos. O pior é que a medida que Alexandre crescia, ele tinha a impressão de que as perseguições aumentavam, que ele era vigiado durante todo o dia. 

Alexandre decidiu então compreender o que estava acontecendo. Ele sabia que para alguém com seu nível de inteligência não seria difícil descobrir; ele estava enganado. O que ele encontrou foi uma teia de mistérios e conspirações governamentais, lendas urbanas e artigos ridicularizados pela imprensa. Havia algo grande sendo encoberto, um segredo compartilhado por todas as nações do mundo, como um pacto de sobrevivência. Alexandre passou a dedicar sua vida a essas pesquisas. Ele descobriu vários códigos secretos na Internet que nenhum hacker comum seria capaz de descobrir. A cada descoberta ele ficava cada vez mais aterrorizado e extasiado ao mesmo tempo. Como a humanidade desconhecia todas aquelas informações? O que aquilo tinha a ver com ele?

O último pesadelo que Alexandre teve antes de acordar naquele domingo não foi como os outros. Ele costumava sonhar com o passado, mas dessa vez ele sonhou com o futuro, como se algo estivesse predestinado a acontecer com ele. No seu sonho, havia uma um artefato, semelhante a uma cápsula. Ele não conseguiria pesquisar esse assunto em seu computador particular. Alexandre tomou o café, deletou a holomensagem de sua mãe, pegou seu skate magnético e foi direto à ciberbiblioteca de Londres. Durante o trajeto ele observava os pedestres, homens e mulheres, pois já havia se acostumado a ser observado pelos espiões que, discretamente ligavam seus chip-celulares depois que ele passava. Ele começou a achá-los ridículos. Será que achavam que ele não percebia? Porém, durante os últimos dois dias, Alexandre não percebeu ninguém o vigiando. Era muito estranho, será que haviam desistido? Será que continuavam o vigiando, mas agora de uma forma eficiente? Ou pior, será que realmente não era tudo fruto de sua imaginação? Não, ele sabia que não estava louco.

Ele acessou um dos computadores da ciberbiblioteca pública, que estava quase vazia. Antes de efetuar o comando que daria acesso às informações proibidas, Alexandre hesitou e olhou ao redor, apesar de estar usando o modo “privado” das holomensagens interativas. Seus olhos arregalaram-se. Ele havia descoberto algo que iria transformar sua vida para sempre e talvez o mundo.

Continua...

Somewhere in time- parte um

26 de jul. de 2014













Conto inspirado no álbum "Somewhere in time"da banda inglesa de Heavy metal Iron Maiden. Publicado originalmente no site Mojobooks. Nessa republicação há pequenas mudanças e correções.


Grécia, 336 A.C

A comitiva real segue pelas ruas de Olinto, uma cidade no norte da Grécia. À frente, o jovem e recente rei cavalga imponente. Os que veem a comitiva passar se afastam e comentam uns com os outros. Eles nunca viram aquele rosto, mas todos já ouviram histórias sobre aquele jovem. Eles tremem ao vê-lo passar pelas ruas de sua cidade sem ao menos ter sido anunciado: Alexandre Magno, rei da Macedônia, rei da Grécia. 

As pessoas comentam umas com as outras enquanto a caravana dirige-se à casa de Dúris, um dos fazendeiros mais ricos de Olinto. Seria possível que Dúris conhecia o grande rei Alexandre, ou será que a visita do monarca não era uma visita cordial. Alexandre entrou, acompanhado apenas de dois de seus generais. Os curiosos nem ao menos ficaram sabendo que o motivo da visita não era Dúris e sim um de seus hóspedes. Dúris recebeu o rei emocionado e com medo ao mesmo tempo. Alexandre gostava de ver a reação que causava nas pessoas, mas acalmou Dúris e disse que vinha em paz. Quando disse o motivo de sua visita, Dúris finalmente entendeu. A fama de seu hóspede estava aumentando, embora ele não quisesse que isso acontecesse.

Alexandre foi levado até à sala da casa. Sentado em um dos divãs estava um jovem, aparentando a mesma idade de Alexandre. O rei pediu para que ficassem a sós. Alexandre sentou-se no mesmo divã e olhou com desejo para o jovem.

- Se é mesmo bom como dizem, já deve saber o motivo de minha visita.

- Sim, majestade. Creio que sairá daqui satisfeito e ao longo de sua vida comprovará que tudo o que eu disser terá sido verdade.

Alexandre o observou por um instante, tentando identificar o estranho sotaque do jovem.

- Pois então, oráculo, diga o que o futuro me reserva.

Alexandre ouviu tudo o que queria ouvir, inclusive coisas que até aquele momento ele havia guardado somente para si próprio, planos ambiciosos de conquista de um jovem que queria dominar o mundo. O oráculo disse que o nome de Alexandre, o Grande, se eternizaria. Ele dominaria o império persa e estenderia seu domínio até a Índia. O oriente cairia perante a força de Alexandre Magno. Era possível perceber o brilho de cobiça nos olhos do futuro imperador. Ele hesitou um instante antes da pergunta que o incomodava.

- E como eu morrerei?

O jovem vidente riu calmamente e olhou sem medo para o monarca.

- Sua morte não será tão gloriosa quanto a sua vida.

Alexandre não insistiu. O rei ofereceu riquezas e proteção ao jovem mas ele não aceitou.

- O que procuro está acima de todos os sonhos da humanidade e nem vossa majestade poderia me dar. Mas lhe peço uma coisa.

- Qualquer coisa que quiser. Disse o rei.

- Conquistarás o Egito e lá fundarás uma magnífica cidade. Tudo que lhe peço é que a chame de Alexandria.
- Uma homenagem a mim mesmo é tudo o que pedes?

O jovem sorriu novamente, aproximou-se de Alexandre e disse algo em seu ouvido. Alexandre sorriu.

- Agora entendo. Se o que dizes for verdade, sua vontade será satisfeita.

A comitiva partiu logo em seguida, mesmo com a insistente bajulação de Dúris para que permanecessem. Do andar de cima, o jovem oráculo observava. Ele havia se divertido bastante, mas agora era necessário partir. Sua notoriedade estava ficando perigosa. Depois dessa visita, os seus perseguidores descobririam rapidamente o seu paradeiro. Ele fechou os olhos, saboreando aqueles momentos regozijantes de vaidade saciada e pronunciou vagarosamente, sentindo o som de cada sílaba, o nome que o extasiava: "Alexandria".

Continua...

Feliz

29 de jun. de 2014











Não sei se é certo escrever a história de meu amigo Felizberto, pois tenho certeza de que vocês irão rir de sua tragédia. Durante toda a sua vida, eu fui o único que não riu das suas desgraças, de seu destino torto, das brincadeiras divinas a que ele era alvo. Mas eu não poderia deixar de contar tudo que presenciei. Foram acontecimentos tão inimagináveis que se não forem escritos por alguém que goze de certa credibilidade, ficarão restritos às histórias populares, como causos inventados pela imaginação do povo. Mas creiam, meus amigos, por mais improvável que seja, tudo o eu que contar realmente aconteceu com meu amigo Felizberto, o mais caipora de todos os homens que já caminhou pela terra.

Eu o conheci na escola, mais precisamente na quarta série do ensino fundamental. Achei estranho um menino tão velho como ele na quarta série. Felizberto tinha quatorze anos de idade enquanto todos os outros alunos tinham dez, inclusive eu. Rapidamente me tornei seu amigo. Nenhum dos meninos gostava dele, apesar de Felizberto estar sempre alegre e brincando com todos. Não demorou para que todos passassem a chamá-lo de “Feliz”, o que é muito contraditório, como vocês irão ver.

Eu imaginava que os garotos não gostavam de Felizberto devido ao fato de ele ser coxo, vesgo, banguela, magrelo e desajeitado, mas logo percebi que esse motivos eram os menores.

Com o estreitamento de nossa amizade, passei a frequentar a casa de Felizberto. Ele morava com a mãe, uma senhora até certo ponto simpática, apesar de estar sempre mal vestida, com os cabelos descuidados e os dentes podres. Ela me tratava bem, pois eu era o primeiro amigo de Felizberto e a primeira pessoa a entrar na cabana de madeira e palha em que eles moravam. Entendam bem, a primeira pessoa fora o agente da prefeitura que vinha de tempos em tempos fiscalizar a quantidade de ratos, pulgas e baratas que habitavam a casa. E entendam por “tratar bem” o fato de ela me convidar a sentar sempre na única cadeira existente na casa, uma cadeira dura e que deixava coceiras, enquanto eles se sentavam no chão. Além disso me serviam sempre um café amargo e ralo. Eu aguentava tudo isso por pena do meu amigo e da sua mãe. Muito tempo depois percebi que ela não precisava de pena, mas o meu infeliz amigo Feliz, ah! Esse sim merecia toda a pena do mundo.

Conversando com sua mãe, descobri tudo a respeito de Felizberto, desde o seu nascimento até àquele momento. A primeira coisa que descobri é que sua mãe havia sido uma meretriz em um bairro de classe baixa no interior do Estado. No exercício de sua nobre profissão ela conheceu o pai de Feliz, um bêbado sexagenário que sua mãe foi obrigada a aceitar em uma noite de freguesia escassa. Foi aí que o azar de Felizberto começou, pois devido a um acaso do destino o preservativo estourou e sua mãe veio a engravidar. O pai de Felizberto, ao qual sua mãe nunca soube o nome, morreu no dia seguinte ao tomar uma pinga de fundo-de-quintal contaminada com um produto químico. Foi encontrado vomitando sangue em frente ao bordéu no qual a mãe de Felizberto trabalhava.

O mais incrível nisso tudo é que ela não tinha a menor vergonha do seu passado e o dizia com a maior naturalidade a qualquer um que quisesse ouvir. Isso valeu ao meu amigo Feliz uma lista de apelidos inspirados na antiga atividade profissional de sua mãe, aos quais não convêm transcrever nesse relato.

Assim, passando a frequentar a casa de Felizberto, me tornei mais ainda “o seu amigo”. Ninguém entendia o porquê, e às vezes nem eu. Talvez tenha sido pena, mas também havia uma admiração pela resignação de Feliz frente ao seu azar. E não era uma simples resignação. Era uma resignação calma, seguida de uma esperança resistente. Feliz dizia que não era tão azarado, que um dia tudo daria certo para ele. Realmente era difícil acreditar que alguém pudesse ser tão azarado durante toda a vida. Infelizmente foi o que pude comprovar- e Felizberto também, para seu azar.

Eu pude perceber uma das manifestações da cruel fortuna de meu amigo quando passei a acompanhá-lo pelas ruas. Não havia uma rua ou esquina em que algo não acontecesse a ele e somente a ele. Hora, era um buraco em que ele tropeçava e torcia o pé, outra hora era um carro que passava numa poça de água e lhe molhava toda a roupa. Até mesmo parado ele não estava livre. Quantas vezes não vi o mesmo cachorro, um dos vira-latas do nosso bairro, aliviar sua bexiga na perna coxa do Feliz. O meu amigo apenas esboçava um palavrão e a triste expressão- “de novo!”

Mas o que mais me chamou a atenção foi o fato dos pés de Felizberto sempre irem de encontro a algum material orgânico proveniente dos intestinos humanos ou animais espalhados pelas vias de tráfego. Isso lhe valeu mais um apelido, além do irônico “Feliz”, que lhe seguiria por toda a sua breve e sofrida vida. Todos passaram a denominá-lo Felizberto pisa-merda. Parece que esse apelido o feria profundamente, apesar de ele não demonstrar. Quando passou a ser chamado assim pelos cruéis meninos da escola, era possível perceber uma ponta de tristeza em seus olhos, o que ele tentava disfarçar com um meio sorriso cheio de dor.

Felizberto conversava muito sobre todos os assuntos. Passei a ser confidente de seus sonhos. E como ele sonhava! Ele queria terminar os estudos, entrar em uma universidade e se graduar doutor em medicina. Eu ficava imaginando como os pacientes encarariam um médico vesgo, coxo e banguela. Mas eu tentava ser otimista em meus pensamentos, pois com a ajuda da tecnologia esses problemas poderiam ser sanados. O que eu não acreditava era como ele iria se formar se era azarado até mesmo nos estudos. 

Não digo que ele era burro ou um mau aluno, muito pelo contrário, ele era inteligentíssimo e muito aplicado. Digo azarado mesmo. Felizberto era sempre o que mais estudava, mas quando chegava o dia da prova, algo sempre acontecia. Às vezes se atrasava por algum motivo e as professoras não lhe repetiam o exame. Assim como os alunos, as professoras não gostavam dele, nenhuma nunca gostou. Outras vezes, ele ficava tão nervoso que não conseguia se lembrar de nada que estudara durante toda a semana, ou então, sem querer, marcava a opção errada e só se lembrava depois que o teste já estava entregue. Não era raro sua prova sumir, ele reclamar com a professora, com a diretoria e nada ser resolvido. Nem mesmo minhas tentativas de ajudá-lo surtiam efeito. E assim, ele ia repetindo ano após ano a mesma quarta série. E com isso, após um ano, tivemos que nos separar na escola. Porém, nossa amizade estava consolidada e eu estava decidido a não abandoná-lo, mesmo com medo daquele azar acabar se voltando contra mim também.

Além do seu fracassado sonho estudantil, Felizberto também queria trabalhar. Uma vez ele me disse que não precisava, pois um tio distante lhe enviava mensalmente uma boa quantia em dinheiro. Achei que era delírio do Feliz, pois ele vivia miseravelmente com sua mãe e não havia nenhum vestígio de dinheiro algum enviado para ele. Mais tarde descobri que Felizberto falava a verdade, mas não vamos nos adiantar. É preciso seguir linearmente, para perceber o quanto o destino castigava meu sofrido amigo dia após dia. Como ia dizendo, ele queria trabalhar. E até que ele tentou. Seu primeiro emprego foi como entregador de pão, mas devido ao seu defeito físico era impossível guiar a bicicleta sem cair de dez em dez metros. O padeiro descontava de seu salário todos os pães que se perdiam com as quedas. Resultado: foi preciso uma semana de trabalhos extras para indenizar a padaria. Porém, o padeiro desistiu da punição, pois eram tantos copos e pratos quebrados durante o trabalho que Felizberto precisava sempre trabalhar uma semana a mais para cobrir o prejuízo da semana anterior e assim por diante, ininterruptamente. Houve outras tentativas de trabalho que dariam um livro inteiro de gargalhadas para os leitores insensíveis. Em respeito ao meu finado amigo, elas serão suprimidas.

Felizberto, apesar de todas as suas limitações, não se rendia e arriscou-se até a amar. Já que ele não tinha sorte nos negócios quem sabe não a teria no amor. Terrível engano. Primeiramente porque ele resolveu se apaixonar pela garota mais assediada pelos rapazes do bairro. Com seus hormônios aflorados pela idade, Felizberto não se constrangeu em declarar seu amor à Sandrinha, a quem nem mesmo eu ousava me aproximar. A única coisa que Feliz conseguiu de Sandrinha foi um olhar de escárnio seguido de um incontrolável acesso de risos. E para piorar, a cruel menina espalhou para todo mundo a ousadia de Felizberto. Meu amigo ficou arrasado por meses. Foi assim com a Sandrinha, com a Bel, com a Elisabete, com a Joana, com a Loirinha, com a Berenice, etc e etc.

Foi após uma dessas desilusões amorosas que Felizberto me falou pela primeira vez sobre a morte. Ele dizia que morrer talvez fosse bom e me fez fazer-lhe uma promessa. Se ele morresse antes de mim, eu deveria espalhar sementes de rosa vermelha sobre seu túmulo. Não rosas prontas, crescidas, apenas as sementes. Ele queria que as rosas crescessem aos poucos e lentamente fossem cobrindo seu túmulo.

Um dia, em um de seus acessos de alegria repentina, Felizberto me chamou em casa e disse que tinha algo importante a fazer. Fomos pela rua, ele com seus tropeços, quedas e pisadas em excrementos habituais. Chegamos à uma lotérica. Eu não acreditava no que estava vendo. Apesar de toda a sua urucubaca, Felizberto comprou um único bilhete de loteria com uma sequência de números improvável de se ganhar e para piorar o prêmio estava acumulado e tivemos que enfrentar uma enorme fila onde muitos apostadores compravam cinco, dez, vinte bilhetes de uma vez. Felizberto saiu pela rua sorridente, com os olhos brilhando e dizendo: “esse dinheiro será para realizar um velho sonho.” Fiquei triste ao ver tamanha ingenuidade de meu amigo, mas não lhe queria estragar a felicidade momentânea.

Não pude acreditar quando o resultado saiu. Felizberto estava bilionário como único ganhador do prêmio acumulado. Corri até sua casa. Nos abraçamos e pulamos de alegria. Era a primeira vez que Felizberto tinha sorte em alguma coisa. E que sorte! Parecia que toda a sorte que não tivera em sua vida havia se acumulado e agora transbordava de uma vez, concentrada naquela única e improvável sequência de números que o tornava rico. Ficamos muito felizes, finalmente tudo iria mudar. A mãe de Felizberto ficou de boca aberta, parada, com os olhos brilhando de cobiça ao saber da notícia. Aconselhei Felizberto a não confiar em sua mãe e em mais ninguém. Ele e eu erámos capazes de administrar aquele dinheiro. Ele não precisava da ajuda daqueles que sempre o desprezaram. Feliz, mesmo triste, concordou. Era difícil para ele não confiar na integridade das pessoas, tamanha sua inocência.

A primeira coisa que aconselhei Felizberto a fazer com sua fortuna foi cuidar de si mesmo. Com a ajuda da medicina e da tecnologia era possível consertar ou pelo menos minimizar seus defeitos físicos. Felizberto então encaminhou-se ao melhor médico particular do país. Fez vários exames e aguardou ansiosamente para começar as cirurgias. Nunca me esquecerei da expressão de dor no olhar de Feliz naquela manhã de domingo ao bater na porta da minha casa. Ele segurava os resultados dos exames e foi entrando e sentando no sofá sem dizer uma palavra. “Veja isto”. Disse ele me entregando o laudo médico. Felizberto estava com um câncer já em estado avançado de metástase. Além disso, era necessária urgentemente uma transfusão dos dois rins e do fígado, pois esses seus órgãos estavam a um passo de falir. O médico dava a Felizberto o prazo máximo de uma semana de vida. O mais incrível nisso tudo e o que mais me chocou foi o fato de ele nunca ter apresentado nenhum sintoma, nem do câncer nem da ineficiência de seus órgãos condenados. Somente naquele momento, depois da maior felicidade que ele conseguiu ter na vida é que aquela trágica notícia chegava. Oh, meu desgraçado amigo. Como sofri naqueles dias por você.

Após aquela notícia sugeri a Felizberto que aproveitasse os dias que lhe restavam. Ele poderia viajar, se divertir, fazer tudo o que sempre quis. Felizberto não concordou. Ficou em sua humilde casa. Triste, esperando o golpe final do destino. Eu ia lhe visitar todos os dias e creio que essas visitas foram os últimos momentos de felicidade de Felizberto.

Quando os efeitos de sua doença começaram a se manifestar, Felizberto me entregou um papel e disse que era seu testamento. O documento deveria ser aberto somente após sua morte. E assim o fiz.

Felizberto foi enterrado em uma vala comum em um cemitério público, pois eu também era pobre e não consegui ajuda para dar-lhe uma sepultura digna. Ele não deixou nenhum dinheiro disponível para seus gastos funerários. Tudo o que ele tinha estava agora em seu testamento.

A mãe de Felizberto estava excitada durante a leitura do documento. Porém, ficou decepcionada. Felizberto deixara toda a sua fortuna para uma instituição de deficientes físicos que estava prestes a fechar as portas por falta de verba.

Sua mãe o amaldiçoou. Durante seu acesso histérico disse coisas que eu já suspeitava mas não havia como provar. Ela gritava que agora não teria mais aquela “miséria de dinheiro” que o tio de Felizberto enviava todo mês. Durante todos aqueles anos, a megera roubava o dinheiro que era destinado a Feliz pelo seu tio e gastava com não-sei-o-quê. O que eu sabia era que Felizberto nunca foi beneficiado com aquele dinheiro.

Eu era o único que ia visitar Felizberto no pobre cemitério onde ele havia sido enterrado. Depois de algumas semanas ninguém mais se lembrava do Felizberto-pisa-merda. Então um dia me lembrei da promessa que havia feito a ele. Corri a uma floricultura, comprei sementes de rosa vermelha e espalhei pelo seu túmulo. 

Tive que viajar a trabalho e só retornei vários meses depois. Uma das primeiras coisas que fiz foi retornar ao túmulo do meu amigo. Vocês não imaginam minha surpresa ao ver seu túmulo coberto de cravos brancos. Só então me lembrei de um trecho da conversa que tive com Felizberto sobre seu desejo de ter o túmulo coberto de rosas e que eu incrivelmente havia esquecido. Felizberto havia me dito que era alérgico a cravos brancos. Vocês não imaginam a decepção que tive comigo mesmo. Não me lembrava disso e consequentemente não conferi as sementes antes de comprar, confiando nas palavras da vendedora. O meu esquecimento foi o último golpe do azar no trágico destino de Feliz.