A metamorfose de Hermenegildo

16 de abr. de 2009










WASLEY VIANA


Inspirado na obra de Franz Kafka “A Metamorfose”

Numa certa manhã de sábado, Hermenegildo acordou transformado num pequeno peixe muito apreciado pelo povo da região. Estava deitado de lado, já que metamorfoseado em peixe não era possível ficar em pé ou de barriga para cima. Tentando observar seu corpo, não teve dúvidas de sua real mudança. Não se encontrava coberto, porque odiava cobertores e remexendo-se todo pensou:
Minha virgem santa! Eu virei um peixe!
Ele não estava sonhando, pois estava no seu quarto. Tudo deixado do jeito que vira ontem e se lamuriou:
Viu o que aconteceu, seu idiota! Tanto tempo trabalhando de pescador, cheirando a peixe morto, tomando sol e chuva e ainda sustentando um sogro preguiçoso que diz estar sentindo reumatismo... me diz, o que você ganhou com isso? Agora estou transformado em peixe, grande recompensa. Só aguento esta vida miserável por causa de Rosaura e Aninha. E agora estou transformado em peixe- repetiu.
Sentiu vontade de rir quando lembrava do que dissera a esposa; que qualquer dia iria de transformar em peixe. A coisa toda é por demais irônica. Súbito, Hermenegildo sentiu que se esvaía o ar de suas brânquias e sem oxigênio começou a debater-se na cama, dando pinotes.
Eu vou morrer!- pensou, desesperado.
Nesse instante, a filha de Hermenegildo abriu a porta dizendo:
Papai, já tá tarde e mamãe falou pro senhor se levantar.
A menina viu que seu pai não estava lá. Apenas um peixe que pulava na cama.
Um peixe na cama?- disse ela, aproximando-se e pegando Hermenegildo, levando ele para a cozinha.
Chegando lá, Aninha colocou o peixe num balde com água. O pescador agradeceu aos céus pela salvação. Um pouco próxima, estava a mulher dele, mexendo no fogão.
Chamou seu pai?- perguntou ela.
Chamei... mas papai não estava lá- respondeu a menina- só aquele peixe ali.
Rosaura olhou para o balde que estava perto dele e viu que realmente havia um peixe que não se encontrava lá.
Esse peixe estava na cama?
Aninha confirmou meneando a cabeça.
Você disse que seu pai não estava no quarto. No entanto, quando acordei, ele se encontrava lá, dormindo tranquilamente.
Então quer dizer que me transformei um pouco antes de acordar - pensou ele.
Eu vou para o quarto- disse a mulher.
Caminhando não muito devagar, Rosaura passando na sala, viu seu pai sentado no sofá, assistindo tevê. Não chegaram a conversar. No quarto, ainda sem abrir a porta, num tom alto, ela gritou o nome do marido.
Hermenegildo! Acorde!
Não ouvindo nenhum ruído, Rosaura abriu a porta e viu que seu esposo não estava lá. Na sala, perguntou ao pai:
O senhor viu Hermenegildo saindo, pai?
Não!- disse o velho, seguro no controle remoto.
Aonde esse homem se meteu, meu Deus?- perguntou para si mesma.
E, no balde, Hermenegildo circulava e pensava.
Preciso falar com Rosaura. Dizer que me transformei.
Oi, peixinho!- disse Aninha, assustando o pescador.
É isso!- pensou- vou conversar com Aninha e lhe explicar tudo.
Porém, quando começou a falar, ele percebeu que não saía som algum de sua boca e desanimou-se.
O que está fazendo? Perguntou a menina, parece que está querendo falar algo.
Hermenegildo tentou novamente, mas não teve sucesso. As horas passaram-se até que o pai de Rosaura falou:
Estou com fome! Já é meio-dia!
Vou preparar o almoço, já que quando Hermenegildo chegar estará faminto- disse ela.
Chegando na cozinha, Rosaura viu que o peixe que sua filha encontrara supostamente no quarto, ainda estava no balde e resolveu olhá-lo.
Olá! Exclamou Rosaura.
Hermenegildo ficou ansioso, sua esposa havia chegado. Mas, infelizmente, não pôde se comunicar com ela.
Ora, você é o peixe preferido de Hermenegildo!- disse Rosaura, excitada- vou prepará-lo para quando ele chegar, ele te comer.
Hermenegildo apavorou-se. Sua própria mulher pretendia matá-lo. Debatendo-se com todas as suas forças, o pobre pescador tentava escapulir das mãos de Rosaura, mas foi em vão. Colocando-o na pia, a esposa de Hermenegildo pegou uma faca e começou a descamá-lo. Com uma dor nunca antes sentida, o pescador testemunhou o sofrimento e a agonia de todos os peixes que pegara e fizera o mesmo processo, e naquele instante, pelo seu ponto de vista, ele percebeu que aquilo que estava lhe acontecendo fora uma punição que tinha recebido. Após arrancar as escamas, a mulher enfiou a faca na barriga de Hermenegildo e rasgando-lhe de cima a baixo, retirou as suas tripas e as jogou para o cachorro. Depois de limpo, colocou-lhe numa frigideira e fritou o peixe, para logo em seguida dividi-lo em pequenos pedaços e distribuir para a família. O pedaço deixado para Hermenegildo ficou guardado na geladeira, mas ele nunca veio para saboreá-lo.

Historinha de amor

14 de abr. de 2009














Quando ele a conheceu, ela parecia esconder algo no olhar.
Namoraram, casaram-se, tiveram filhos.
Um dia, ela acordou de madrugada, beijou os filhos, o marido; e atirou-se da janela do oitavo andar.

Palavras podres

13 de abr. de 2009












Pútridas frases apodrecem mortas,
expelem da boca que exala odores,
moribundas saltam causando dores
aos ouvidos frágeis querendo notas.

Decompostas no esterco das palavras,
libertam todo o nojo dos meus versos,
causam vômito nos que são avessos
à textura das minhas podres larvas.

Se causa náusea as palavras que disse,
lamento tanto teu intestino fraco,
pois nosso destino é cuidar do porco

que fuça na lama da nossa alma,
onde a consciência perdeu a calma,
atolada pra sempre na imundície.

Ódio à poesia

8 de abr. de 2009












eu odeio a poesia
dama esnobe que desdenha o que dou:
meu esforço
que não vale a pena
nem a tinta

eu odeio a poesia
que me revela quando eu me oculto
não há um canto escuro
onde eu possa esconder
o que sinta

odeio essa busca
pelas palavras que não vêm
odeio-te
com o mais profundo amor
que eu poderia odiar alguém.

Caeiriana

7 de abr. de 2009











A beleza não está nas coisas.
A beleza é uma qualidade que damos em troca
pelo prazer que as coisas nos proporcionam.
Se algo não me agrada, não me será belo,
porque a beleza é construída por mim.
As coisas são, e existem pelo simples fato de existir.

2 de abr. de 2009












O olhar humano é míope, a arte é uma lente de correção.
1 de abr. de 2009










Um dia, ele acordou dentro de um sonho, e nunca mais quis dormir novamente.