Do Lixo

25 de mar. de 2008















Guilherme Castro


Estava quase terminando. Agora, era só recolher o lixo com a pá, despejar na lixeira, e estaria tudo pronto. Poderia, enfim, descansar. Suspendeu o tapete, juntou o lixo com muito cuidado, recolheu com a pá. Mas de repente, antes que pudesse fazer mais algum movimento, ouviu a voz, vindo debaixo:
- Que vida desgraçada essa minha. Sempre engolindo lixo. Nada mais. Lixo, lixo e lixo. Não me usam para guardar doces ou jóias. Apenas lixo. A minha vida é comer lixo, do meu nascimento até a minha morte. E quando morro, pra onde vou? Para o lixo!
Assustou-se ao perceber que era da lixeira que vinha a voz. A princípio, pensou em correr o mais rápido que pudesse. Mas permaneceu num estado de calma. Com algum custo, conseguiu responder:
- Mas é pra isso que servem as lixeiras. Pra se colocar lixo dentro. É absurdo pensar em se guardar doces em uma lixeira! Você não possui esse direito. E a culpa não é minha!
Em um tom levemente irônico, a lixeira retrucou:
- Engraçado você dizer isso. Minha função é engolir lixo. Eu não posso guardar nada além de lixo, porque foi pra isso que fui feita, você diz. Agora pense comigo: Falando de funções e direitos, me parece que o ser humano não foi feito para comer lixo. Essa é a minha função, certo? Então porque há tantos de sua raça se alimentando do lixo que devia ser meu? Com que direito o fazem?
O silêncio pairou sobre as duas criaturas. Após alguns minutos, colocou o lixo na lixeira, que não falou mais, e se retirou para concluir alguma outra tarefa importante.


Uma História...

24 de mar. de 2008













Baseado em um trecho do filme Cinema Paradiso


Certo dia, após longos meses de viagem, um jovem chegou a um distante reino. Ele ficou maravilhado com o lugar. Era um reino pequeno e pacato. A primavera coloria tudo ao redor e a paz absorvia tudo tão calmamente que o rapaz resolveu se sentar e ficar observando as pessoas que passavam na rua e as borboletas que voavam baixinho ao seu redor.
Ele estava tão admirado com o lugar que se assustou ao perceber o enorme castelo que se erguia bem no meio da praça, um castelo ao qual ele incrivelmente não havia percebido. O rapaz ficou um tempo parado observando o castelo quando, de repente, uma janela dourada se abriu. A partir daquele momento tudo ao redor perdeu o sentido para ele. O jovem errante imaginou que estava em frente à própria primavera encarnada. Tão intensa era a beleza da jovem princesa do reino que todos pela rua paravam para apreciá-la. Ele ficou a observando por horas, enquanto ela admirava o lindo dia ensolarado. Então, antes que ela fechasse a janela, ele aproximou-se e declarou seu amor. “Você só terá o meu coração se puder cumprir os meus pedidos.” Disse a princesa. “ Que pedidos? Farei tudo o que puder.” Respondeu o jovem. “Atrás daquele bosque há uma grande montanha. No pico da montanha há uma rosa, a maior e mais bela rosa de todas, uma rosa que nunca morre. Traga-me a rosa e terá o meu afeto. Depois da montanha há um grande rio. Na margem do rio há uma árvore que tem presa entre os galhos um fruto prateado. Traga-me o fruto e você terá toda a minha dedicação. Nas montanhas verdejantes, além das florestas, há uma caverna. Dentro da caverna há um diamante. Traga-o para mim e terá o meu respeito. Você deverá trazer-me essas prendas até amanhã, quando o sol estiver no meio do céu. Se você puder cumprir os meus desejos, serei sua.”
O jovem viajante achou que era impossível cumprir tão difíceis tarefas. Ficou triste e desanimado. Então, a princesa aproximou-se dele e disse: “Tome este lenço. Quando você fraquejar, olhe para ele e lembre-se de mim.” O rapaz pegou o lenço branco, sorriu de satisfação e imediatamente partiu para a montanha a fim de conseguir o primeiro dos presentes.
Foi uma subida dolorosa. Suas unhas foram quase totalmente destruídas. Ele até pensou em desistir, mas pegando o lenço branco que a princesa lhe dera e olhando para ele, viu a linda face de sua amada e uma chama de esperança acendeu-se em seu coração. Com muito esforço ele conseguiu chegar ao topo da montanha. Ao apanhar a rosa, seu dedo espetou-se em um dos grandes espinhos que contornavam o caule. Vários pingos de sangue caíram sobre a rosa, misturando-se com seu vermelho natural.

Após descer da montanha, o jovem imediatamente partiu rumo ao grande rio e nadou até à margem oposta, onde encontrou uma árvore com um fruto prateado preso entre seus galhos. O rapaz o recolheu e nadou novamente , com muita dificuldade, para a outra margem. Exausto, ele sentou-se olhando para o fruto . O sol aos poucos secou seu corpo e suas roupas úmidas. Então o jovem lembrou que tinha pouco tempo e que era necessário continuar. Apressou-se. Andou e andou tão rápido rumo à caverna que o suor desceu pelo seu rosto e pingou sobre o fruto que ele transportava. Chegando à caverna , o jovem viajante enamorado entrou rumo à escuridão. Tateando as pedras, viu um brilho em meio às trevas no fundo da caverna. Era o diamante. Ele pegou a jóia que brilhava e a colocou junto dos outros presentes. Ele havia conseguido, mas ainda era necessário sair dali. Ele sentiu medo, tanto medo que chorou. E suas lágrimas rolaram pela sua face indo cair bem em cima do diamante, que brilhou mais intensamente ainda ao contato das lágrimas.

Ao sair da caverna o jovem correu apressadamente, pois seu prazo estava terminando. Chegou exausto, ferido, com fome e com sede, e sentou-se em frente à janela dourada, que permanecia fechada. Ele havia conseguido chegar antes do prazo estabelecido, mas não estava feliz. Pelo contrário, sua tristeza era tão grande que transparecia em seus olhos. Ele pegou os presentes destinados à princesa e os ficou olhando por alguns instantes: a rosa, o fruto prateado e o diamante. Então pegou o lenço branco que a princesa lhe dera e calmamente limpou o sangue, o suor e as lágrimas que ele havia derramado em cima dos objetos.

Ele colocou os presentes e o lenço junto à janela, poucos instantes antes da princesa abri-la. Quando ela a abriu, encontrou os objetos do mesmo jeito que ele os havia deixado, mas o jovem já não estava mais lá. Ele havia partido e ela nunca mais o viu novamente.

A estrada e a passarela

19 de mar. de 2008














WASLEY VIANA

Havia uma estrada muito deteriorada e velha. Automóveis iam e vinham em alta velocidade, ziguezagueando, tentando evitar os buracos que se encontravam no caminho.

Um homem de terno e gravata, segurando uma maleta preta, parou no acostamento. Olhando para os lados, ele viu que a vários metros à frente havia uma passarela em ótimo estado cruzando a estrada. O homem franziu os sobrolhos e disse: - A passarela está muito longe e eu estou muito atrasado. Vou passar pela estrada, resolveu ele.

Um velho mendigo que passava pelo acostamento percebeu a intenção do desconhecido e , aproximando-se dele, tentou impedir. - Por que você não vai pela passarela? Perguntou o velho. - Porque ela está muito longe e estou atrasado. Indo pela estrada, corto a volta e vou direto, chegando assim, mais rápido ao meu destino. Respondeu o homem, fitando enojado a aparência daquele pequeno, raquítico e imundo velho, vestido de trapos.
- Fazendo isto, você sabe muito bem o quanto está se arriscando à toa. Basta você dar mais alguns passos extras em direção a passarela e atrasar-se um pouco mais e certamente chegará ao seu destino sem ter passado nenhum perigo. Disse ele. - Às vezes para chegarmos aonde queremos é preciso correr riscos, meu senhor. Falou o homem, com rispidez.
Enquanto conversava com o velho mendigo, o homem de terno e gravata abriu sua maleta preta e retirou dela uma venda, também preta, e cobriu os seus olhos. Agora, ele não podia ver o velho, a estrada ou qualquer outra coisa. O homem estava completamente cego.
- Não! Não vá por esse caminho! É perigoso! Gritou o velho, estendendo uma de suas mãos enrugadas e sujas, enquanto observava o indivíduo se afastar, andando cegamente, alheio aos perigos da estrada velha e caótica. Enquanto atravessava a estrada, o homem de terno e gravata escutou apenas o ruído de uma freada brusca, para logo em seguida sentir algo enorme colidindo com o seu corpo e inundando de dor o seu sistema nervoso. O impacto do veículo contra ele fez com que a venda que cobria os seus olhos se soltasse, fazendo-o enxergar novamente.
Estendido no chão sujo, o homem permaneceu vivo durante alguns longos segundos e pôde ver o erro que cometera ao escolher o caminho que aparentava ser o mais fácil. Com uma lágrima brilhante que nem chegou a escorrer, o homem de terno e gravata, com a sua maleta preta jogada ao chão, nem chegou a fechar os olhos quando morreu.
Os transeuntes que passavam na hora do acidente reuniram-se em volta do corpo massacrado e ensanguentado do morto. Chocados com a cena, mas acostumados com as tragédias que ocorrem na sua cidade.
O velho olhou apenas mais uma vez para o corpo e foi-se embora, num passo moroso e tranqüilo, assobiando, em direção à passarela.