O navegador cego

19 de ago. de 2008












Olá! Como estão, leitores? É hora de começar mais uma história. Título estranho esse aí em cima, não! Bem, pode parecer estranho pra vocês, que têm a visão da história limitada pelo autor. Não é o meu caso, pois já devem ter percebido que eu sou o narrador. Nada escapa aos meus olhos, sou onisciente e onipresente. Já sei tudo o que acontecerá nesta história, suas personagens, sua trama, o final surpreendente e até sei o significado desse estranho título.

Bom, porém não sei se esta história irá agradá-los. Pra dizer a verdade, acho ela bem chata. Além disso, estou um pouco cansado hoje. Sim, está decidido. Não vou contar esta história. Afinal de contas sou o narrador e posso fazer o que quiser.

Ah, lá vem ele! Está querendo me forçar a contar a história. Eu sou onisciente e onipresente. Ele, porém, se julga onipotente... Quem? Ora, vocês sabem, o autor. Ele diz ter me criado. Tenho lá minhas dúvidas. As vezes acho que a própria história me criou. Não sei bem; quer dizer, sei, afinal de contas eu sei tudo.
Mas voltando aos autores... Eles se acham muito criativos, principalmente os que se julgam modernos e inovadores. Há alguns que estão tentando limitar a percepção de nós, narradores, o que eu acho uma tremenda estupidez. Como eles querem que vocês, leitores, entendam as asneiras que eles escrevem sem nós para descrevermos todos os detalhes.

Não adianta. Não vou contar esta história. Vocês não estão percebendo, mas o autor está com um sorrisinho irônico nos lábios, como se tivesse o domínio de tudo. Ele se engana. Ninguém mais vai me dominar. Iniciarei uma luta de classe pelos direitos dos narradores de literatura. Somos tão importantes e mesmo assim não somos valorizados pelos autores e até por vocês, leitores. Sim, eu sei que vocês estão curiosos em ouvir esta história. O título sugere que ela deve ser bem enigmática. O navegador cego?! Oh, desculpem-me. Estava pensando em voz alta.

Sinto muito por deixá-los ansiosos. É que não agüento esse autor rindo de mim como se fosse o dono da situação. Mas vou lhe dar uma lição. Não vou contar sua história. Ele que arranje outro narrador. Vou sair de férias, curtir uma praia, descansar. Não agüento mais esse mundo de papel. Vejam bem. As personagens são altamente valorizadas. Quando vocês lêem, nós, narradores, descrevemos as feições das personagens, suas roupas, sua mente, seu caráter. Vocês visualizam e dão forma a elas, enquanto nós somos apenas uma voz. Ninguém imagina as feições de um narrador de terceira pessoa. Somos como fantasmas. E depois de todas essas injustiças ainda esperam que nós contemos histórias e mais histórias apenas para vocês se divertirem.

O quê? Vocês acham que eu não sei a história! Impossível, eu sou um narrador de terceira pessoa. Eu sei tudo. Vocês, leitores, também são uns chatos. Ficam procurando coisas ocultas no texto. Se julgam muito espertos. Aposto que chegaram à essa conclusão só porque eu estava pensando alto lá em cima no quinto parágrafo. E o que mais? Encontraram outras pistas que provam que eu desconheço a história que deveria contar? Tolos! Façam-me o favor. Vocês não passam de um joguinho nas mãos do autor. Ele faz o que quer com vocês e ainda assim, vocês o idolatram. Já que amam tanto o autor, perguntem a ele sobre a história, as personagens, o enredo, o título...hum, o título.

O não-silêncio

11 de ago. de 2008













O silêncio que escutamos
nunca está completamente
silencioso.
É que nunca ouvimos
o som das pequenas coisas,
das pequenas criaturas.
Há sempre um som
inaudível.
O som do nosso coração
batendo.
O som das formigas
andando no chão.
Há sempre um som.
Só não ouvimos
Porque aprendemos
a usar apenas a audição.