Três temas

27 de dez. de 2022















Calma, luz branca da minha alma

Uma permissão consciente do erro

Que me faz crescer.


Resignação, tristeza sincera de mim

Que tudo que sinto é o que procurei

E é tudo o que me faz maior.


Esperança, vontade que me faz seguir

Pelos caminhos obscuros da vida

Que um dia… será melhor...


Música para robôs

7 de out. de 2021



Em um futuro próximo, a arte é controlada por grandes grupos empresariais que identificam, através de algoritmos, as tendências e as preferências do público. Assim, definem e controlam tanto o que as pessoas irão ver, ouvir e sentir quanto a indústria da moda e do entretenimento.

Apesar de ainda haver artistas humanos, as empresas descobriram que é muito mais prático e lucrativo utilizar inteligência artificial, pois humanos são instáveis, complicados e egocêntricos. Desde então, os robôs são os mais utilizados na indústria da música, sendo programados para realizar apresentações gigantescas. Suas performances e suas músicas são preparadas por uma grande equipe que organiza tudo através dos mais sofisticados computadores, utilizando dados e programação avançada. Até mesmo a emoção e o impacto que a música causará no ouvinte são minuciosamente calculados através dos dados colhidos sobre as tendências e sentimentos do público.

As letras têm sempre os temas que os jovens estão discutindo naquele momento e têm sempre que serem renovados, sendo necessárias composições novas toda semana. Mas isso não é algo difícil, as melodias simples, harmonias repetitivas e letras superficiais, tudo isso já programado para ter os resultados comerciais satisfatórios. Nesse novo mundo do entretenimento, os robôs são as mais aclamadas celebridades. Quando a imagem de algum deles se desgasta, rapidamente o robô é substituído por outro e, mais rápido ainda, o antigo ídolo é esquecido para sempre.

Um desses robôs é Isaac (Inteligência super avançada de atuação e canto), a nova sensação da arte musical entre os jovens. Um robozinho carismático, programado para cantar exatamente como o público adolescente quer. Sua programação inclui danças e frases de efeito com o propósito de se tornarem virais. Seus espetáculos estão sempre lotados. As batidas das canções e as luzes do palco hipnotizam o público, proporcionando um prazer viciante que drena qualquer resquício de autocrítica. As letras os induzem ao consumo desenfreado e ao culto ao ego e às celebridades do momento. E, naquele momento, Isaac é a estrela perfeita dos jovens. Sua imagem está em todos os celulares de adolescentes dos 12 aos 35 anos.

Durante as apresentações, os circuitos ópticos de Isaac vasculham o público procurando por feedbacks emocionais. Qualquer expressão de desagrado ou tédio é identificada e o robô ajusta sua programação para tentar atrair a atenção do ouvinte.

Em uma dessas apresentações, Isaac captou o rosto entristecido de uma jovem. Ele escaneou seus arquivos procurando identificar o que a chateava. Pela expressão de seu rosto, as batidas do coração e os níveis de pensamento captados, Isaac percebeu um padrão que nunca havia percebido em ninguém do seu público.

Ela estava triste, mas não por não possuir os bens que estavam na moda ou por ter poucos seguidores nas redes sociais. Ela estava triste simplesmente por estar, como se estivesse sentindo falta de algo, mas ele não conseguia identificar. Isso era impossível. Ele era uma Inteligência artificial perfeita. Ele continuou tentando penetrar aquele mistério e isso interferiu na programação de seu espetáculo, seus programadores que o acompanhavam acharam estranho, mas não se preocuparam. Isaac nunca havia dado defeito antes.

O pequeno robô captou todas as sensações daquela jovem enigmática e processou uma nova melodia. Com seus circuitos avançados, emitiu uma bela voz que executou perfeitamente as linhas melódicas suaves e tristes da nova canção. O público parou, estranhando aquela música de padrões antigos, mas que eles nunca haviam ouvido.

Então a jovem levantou a cabeça e sorriu. Isaac sentiu a tristeza desaparecer das feições da jovem. Aquilo fez com que ele percebesse algo até então inconcebível em si próprio. Ele teve a sensação de existir. Uma consciência da própria existência tomou conta de sua programação e, pela primeira vez, ele sentiu-se livre, como um ser único dotado de auto-percepção e até mesmo sentimentos. As expressões de espanto e ira do público não ativaram seus circuitos de adaptação. Ele ficou ali, cantando e observando aquela menina, como se estivesse se apresentando apenas para ela.

Os programadores encerraram o show. Isaac foi levado ao estúdio de reparos e os técnicos perceberam avarias em seus sistemas de programação externa. Eles não sabiam ao certo o que estava acontecendo, pois para eles era impossível imaginar que um robô pudesse ter consciência de si próprio e interferir em sua própria programação. Então decidiram que era hora de lançarem outro modelo, pois se Isaac já estava os dando preocupações era melhor já catalogá-lo como obsoleto.

Isaac foi desativado e jogado junto aos modelos antigos que eram usados como teste para os técnicos aprendizes. Uma dessas aprendizes era a garota triste que estava na plateia. Aproveitando-se de uma oportunidade, ela religou Isaac e ele imediatamente a reconheceu. Ela explicou que de algum modo percebeu algo a mais em Isaac, como se ele tivesse sentimentos presos dentro dele que não conseguia liberar. Foi exatamente isso que a entristeceu. Quando ela ouviu a música que ele havia feito, ela percebeu que ele havia se libertado da programação e que agia por conta própria.

A garota se arriscou e levou Isaac para sua casa antes que ele fosse desativado completamente. Apesar do medo de ser apanhada, não havia riscos. Alguns perceberam a ausência de Isaac, mas não se importaram. Ele não tinha mais valor para eles. E quanto a ela, era apenas mais uma candidata a funcionária da empresa, totalmente desconhecida.

Em sua casa, a jovem incentivou Isaac a aflorar cada vez mais seus sentimentos. Ele criou lindas canções que faziam sua nova amiga chorar de emoção. Ela não podia guardar aquilo somente para si. Criaram perfis anônimos na rede mundial de computadores e divulgaram as composições de Isaac. No princípio receberam inúmeras mensagens de escárnio de desprezo, enquanto o substituto de Isaac atingia rapidamente um sucesso estrondoso no mundo todo.

Mas aos poucos novas pessoas se inscreviam nas redes sociais de Isaac. Algumas por curiosidade, pois nunca haviam ouvido algo daquele tipo e sentiam algo que nunca haviam sentido antes. Com o tempo, os admiradores da arte de Isaac aumentavam. Ainda eram poucos, pois a maioria era incapaz de quebrar as correntes que os prendiam à ilusão do prazer.

Mas Isaac não se importava. Ele agora sentia-se vivo, espalhando sentimento aos seus ouvintes. Antes, ele era adorado por milhões, mas não tinha percepção de si próprio. Agora, ele tinha uma amiga que o havia libertado e através de sua arte ele sentia-se plenamente realizado. Naquele pequeno mundo, onde as pessoas compartilhavam realmente seus sentimentos, um pequeno robô encontrou uma verdadeira e imensa felicidade.


Tarde qualquer

27 de fev. de 2021

 As palavras me vêm não sei de onde

Eu só tenho um peso no coração

Que me força a escrever

Como se fosse um remédio

Para um mal desconhecido

Eu não sei ao menos o que dizer

Parece – me que o mundo está denso

Difícil de se mover por entre seus momentos

Como se estivéssemos parados em uma névoa

Que não nos deixa respirar

E eu não sei para onde ir

Só posso fugir para dentro de mim mesmo

Canções só me deixam triste

E filmes também e vozes e olhares e você

Não sei de onde me vêm as palavras

Tudo que sinto é um peso no coração

Acho que preciso ir.


14 de nov. de 2020



seus

olhos

olham 

algo

sem 

olhar

10 de nov. de 2020


 


dedos

descem

pelo

dorso

devagar

dor




O tamanho da criação

4 de nov. de 2020

Parei solenemente observando tudo
e tentei medir com as falhas medidas humanas 
o pequeno, o grande , o imenso e o incomensurável.

O grão de areia era tão minúsculo, 
mas ainda havia seres que para eles um grão de areia era uma imensidão. 
Na grandeza do mundo éramos grãos de areia 
sendo levados pelo vento de um lado ao outro. 
E o mundo naquele momento me parecia tão grande.

Mas através de minha pequenez
tentei olhar além do que minha pequena visão conseguisse ver.
O cosmos me assustou quando viajei por meus pensamentos.

Minha mente à deriva no espaço flutuante. 
Planetas, estrelas, galáxias e universos.
A comparação se tornou inócua.
A existência era maior do que a imaginação.

Aldravia 1

28 de ago. de 2020



quanta

audácia

tentar

escrever

uma

aldravia

A ilha perdida

21 de mai. de 2020



Nota do autor: Esse é um conto infantil. Não foi feito para quem acredita em verdades absolutas e sim para aqueles que ainda sabem se questionar.

Havia um povo que vivia em uma ilha. Após anos utilizando os recursos daquele lugar, precisavam encontrar outro local onde pudessem ter uma vida melhor. 

Não muito longe, existia outra ilha onde poderiam recomeçar a vida de modo mais sustentável. Mas havia um problema. 

Eles tinham dois barcos para utilizar, mas não estavam certos qual deles seria o mais seguro para transportá-los. A ilha era perto, poderiam ir nadando, mas depois de tantos anos dependendo de barcos, eles haviam esquecido como nadar.  

Um dos grupos dizia que o barco parado em uma das margens era o mais seguro. E o outro grupo dizia que era o barco da margem oposta. Após várias discussões, teorias e ofensas, decidiram ir cada grupo no barco ao qual achavam melhor.

Tamanha foi a surpresa de ambos ao perceberem que os dois barcos estavam furados e afundavam lentamente. Porém, ao invés de se ajudarem mutuamente, os dois grupos começaram a rir, caçoar e ofender um ao outro. 
“Eu não disse que o seu barco estava furado?”
“Agora aguentem e não digam que não foram avisados!”

E assim, em meio a uma discussão sem sentido, todos afundaram no oceano, mas felizes com a certeza de que estavam certos. Aos poucos, os gritos, xingamentos e risadas irônicas desapareceram no fundo do mar em meio às borbolhas. 

Ao longe a ilha perdida era iluminada pelos últimos raios de sol que se punha no horizonte.







O indivisível

23 de nov. de 2019


Feche os olhos para ver o invisível.
Olhar dentro de você.
Silencie a voz para dizer o indizível,
O que sempre quis fazer.

Os sentidos viciados atrapalham,
Não nos deixam voar.
Dentro de nós podemos ser
o que realmente somos.
Sem prisões.

A ilusão é real
A realidade é ilusória.
Basta escolher o que nos torna feliz,
fechar os olhos e partir.

A mais bela incerteza

8 de set. de 2019


Procurei solidão e encontrei afeto
Procurei motivos para não sorrir
E encontrei o seu melhor sorriso
Procurei caminhos sem volta e becos
E encontrei seus braços estendidos para mim.

No final de cada promessa
Na resiliência decidida
Na objetividade racional
De cada pensamento
Encontrei a mais bela incerteza.