O Prisioneiro- parte 3

21 de mar. de 2014
















A Prisão do Corpo


O prisioneiro não olhava mais para a prisão como se fosse sua casa. O teto azul e branco ainda lhe parecia bonito, mas agora ele percebia o quanto era inatingível. Ele percebeu que estava preso àquele chão, no qual tantas vezes brincara.

Ele observou o invólucro de seus pensamentos, preso naquele presídio disfarçado de casa. Observou e ficou aterrorizado com sua cegueira. Ele estava preso a ações que não poderia interromper. Ele necessitava se entregar às suas limitações. Ele era fraco. O prisioneiro finalmente prestou atenção às suas correntes.

Foi com grande horror que ele se deu conta da mais terrível verdade. Ele não estava só. Todos estavam presos. Seus antigos guardiões, seus aprendizes, todos os que ele conhecia e os que ele não conhecia. Eram todos prisioneiros.

Agora a cada observação ele recebia uma nova revelação. Ele notou que nenhum dos prisioneiros estava ciente de sua prisão, assim como ele anteriormente. Consciente, era mais fácil pensar. Será que todos tinham sido presos arbitrariamente? Ou apenas desconheciam seus crimes? Isto não podia continuar. Era necessário acordar os outros do seu sono de ignorância. Ele os lideraria em uma rebelião em busca da liberdade. Era necessário encarar o diretor da prisão de frente e exigir uma explicação.

Mas foi grande a sua decepção ao descobrir que ninguém queria ser libertado. Os prisioneiros haviam se acostumado tanto à prisão que já não conseguiam enxergar as correntes em suas mãos. Para eles, ele era louco e perigoso. O prisioneiro jamais encontrou o diretor do presídio e acabou se convencendo de que ele não existia.

Somente nesse instante, quando parou de olhar para fora e se concentrou em seu interior, ele percebeu que ele próprio era seu carcereiro. Ele olhou para suas mãos traidoras e viu mais uma face da verdade. O seu corpo, invólucro dos seus pensamentos, era sua cela. Todos os prisioneiros andavam encarcerados dentro de si próprios, presos às suas celas ambulantes. Até mesmo seus corpos serviam ao sistema que os mantinham presos.


Todos os prisioneiros agora estavam contra ele. Espancavam-no e o insultavam o tempo todo. Cansado de tentar ajudá-los a enxergar a verdade, o infeliz prisioneiro dedicou-se a conseguir sua própria liberdade. Porém parecia impossível provar sua inocência. A única saída seria a fuga, mas seria muito doloroso e uma demonstração de culpa. Então o prisioneiro esperou. Aos poucos sua cela foi enfraquecendo e ele pôde sair. 

Teria ele conseguido a liberdade?

Continua...

O Prisioneiro- parte 2

2 de mar. de 2014















A segunda prisão


A nova prisão era um enorme presídio. Como antes, o prisioneiro ainda não tinha percepção de seu estado. Já não se lembrava de sua antiga prisão. Vivia um dia após o outro e parecia ser feliz. Foi-lhe ensinado a dar nome às coisas, e rapidamente ele já estava familiarizado com seu novo cárcere.

Quantas sensações ele descobrira sem nem ao menos se lembrar da primeira vez que as tinha sentido. Ele já sabia dar nome a elas- dor, raiva, alegria, tristeza e uma que não estava totalmente desenvolvida nele: a dúvida.

Sem saber que era um prisioneiro, ele acabou deduzindo que era um aprendiz. Sentiu que era necessário se instruir para um dia abandonar seu status inferior e se tornar um comandante, alguém com autoridade, assim como seus guardiões.

Eram dois guardiões principais. Foi-lhe ensinado a chamá-los de pai e mãe. Ele os amava. Eles o protegiam e o orientavam dentro da prisão. Como ele os invejava! Eram perfeitos. Ele queria ser como eles. Também queria se tornar um guardião. Então ele ia todos os dias ao treinamento, ao qual chamavam de escola, trabalho, igreja e vários outros nomes. Lá conheceu vários outros aprendizes, com os mesmos sonhos, cegos à realidade, assim como ele, alheios ao fato de serem apenas prisioneiros. Alguns mais rebeldes do que os outros, mas no geral todos estavam como deveriam estar, ignorantes à verdade. Quando estavam nesses setores de treinamento da prisão, os prisioneiros eram monitorados por sub-guardiões. Eles eram responsáveis pelo doutrinamento dos aprendizes. Regras e disciplinas rígidas eram a base da formação dos prisioneiros, a qual o único objetivo era mantê-los prisioneiros.

O prisioneiro continuou aprendendo a ser prisioneiro. Em sua ilusão chegou a acreditar que era feliz. Mas havia uma sensação que não estava totalmente desenvolvida nele: a dúvida. Ele notou que havia algo mais além do que os olhos podiam captar. Alguma coisa oculta. Um mistério que o angustiava às vezes. Mas ele tinha feito tudo certo desde o começo, como seus guardiões queriam. O que poderia estar errado? Com certeza era apenas uma pequena falha nele mesmo. Algo que o impedia de atingir seus sonhos e que deveria ser eliminado.

Em certo ponto de sua condenação estava tudo correndo tão bem que ele já era considerado um novo guardião. Ele já tinha até seus próprios aprendizes, aos quais ensinou a chamá-lo de pai como o sistema prisional onde estava exigia. Ele os orientava como ele próprio havia sido orientado anteriormente.

Nesse momento de sua pena, o prisioneiro recebeu o maior castigo de toda sua existência. Uma maldição da qual jamais conseguiria se libertar. Talvez estimulada pela rotina de suas ações, sua observação se desenvolveu. E com ela seu sentimento de dúvida cresceu até se tornar incontrolável. Ele comera o fruto do conhecimento. Era como se finalmente o tivessem condenado à pena de morte. O prisioneiro estava para sempre amaldiçoado com a verdade.

Continua...