Mamãe Saturno

14 de abr. de 2008

















Era uma linda casa. A fachada era toda pintada de vermelho e branco. Em seu interior, as paredes pintadas de azul pareciam refletir o céu com suas distantes estrelinhas brancas.

Nessa casa morava uma bondosa senhora. Não era velha, pelo contrário, era uma das mais jovens do quarteirão redondo. Sofisticada, rica, moderna, ditava a moda e era invejada por muitos. Digo senhora porque ela era mãe de inúmeros filhos, de vários tipos. Como toda mãe, tinha lá os seus preferidos. E como toda mãe, nunca admitia isso.

Ela sempre queria que seus filhos fossem os melhores em tudo o que fizessem. E mesmo quando não eram, procurava de algum modo fazer com que todos acreditassem que eles eram os melhores. Ela sempre foi muito boa em enganar.

Acontece que essa mãe estava sempre trocando de marido. Não se sabe se por necessidade ou se para não ficar mal vista perante as colegas. Pois se você não sabe, trocar de marido regularmente era costume entre quase todas as mães do quarteirão redondo. Além disso, as mães se casavam com seus próprios filhos. Era impossível para elas casarem-se com os filhos das vizinhas.

O novo marido dessa ilustre mãe era o mais bem intencionado possível. Não só com ela, mas com todas as outras mães da região. Logo que se casou, identificou inúmeros problemas em toda a vizinhança. Esses problemas poderiam prejudicar a sua amada, assim como todas as outras mães . Como era ótimo observador, notou também que muitos desses problemas eram causados pelas próprias vizinhas, principalmente as mais pobres. Essas vizinhas tinham a mania de se casar com homens arrogantes, violentos, incultos e desprovidos de fé. Isso só poderia acabar mal. Tais homens não tinham a capacidade suficiente para administrar seus negócios. Além disso, viviam pedindo dinheiro emprestado à sua digníssima mulher. E mesmo pagando juros irrisórios, ainda reclamavam.

Era necessário mostrar a eles que existiam pessoas de bem, dispostas a cuidar da vizinhança. Primeiro, ele exigiu que suas vizinhas trocassem de marido e desposassem amigos de sua confiança. Algumas, por gostarem mesmo de seus maridos ou por serem muito dominadas por eles, se recusaram. Então, o preocupado marido resolveu abolir todos os empréstimos à essas senhoras. Nem mesmo uma pequena xícara de açúcar era possível conseguir.



Mesmo assim ele não estava satisfeito. Afinal de contas ele tinha um compromisso com a paz. Era um desígnio divino. Era necessário expulsar aqueles maridos que maltratavam tanto suas próprias esposas e filhos. Filhos esses que eram obrigados a proteger seus padrastos cruéis e autoritários. Infelizmente, ele teria que enfrentar esses filhos para arrancar seus padrastos patifes de suas casas e salvá-los, mesmo que eles não reconhecessem o bem que ele os estava fazendo.

Então lembrou-se de seus enteados. Eles seriam sua arma. Eles invadiriam o quintal dos vizinhos, penetrariam pela varanda, dominariam a cozinha, os quartos, se apossariam da sala e expulsariam a ponta-pés aqueles malditos senhores que atravancavam o progresso de suas queridas vizinhas.

Contou seu plano à sua mulher, que imediatamente bordou lindas roupinhas para seus filhos. Algumas eram verdes e marrons da cor das plantas e da lama do quintal. Outras eram branquinhas, para os que gostavam de ficar brincando com água. E havia até roupinhas azuis da cor do céu, para as crianças que adoravam brincar com os pássaros. Eles ajudaram seu padrasto a tornar o quarteirão redondo um lugar melhor para se viver. Cumpriram as ordens de sua mãe, brigaram com os vizinhos, socaram o nariz de muitos deles. E assim eles foram crescendo, sempre trajando suas lindas roupinhas coloridas que a mamãe fez. Porém, o sangue dos narizes dos vizinhos e o sangue dos seus próprios narizes foram manchando suas roupas de vermelho. Sua mãe não conseguia mais lavá-las. O sangue estava grudado para sempre. E os meninos cresciam amargos, sem mais nenhuma vontade de brincar. Eles se sentiam como bastardos. Não se consideravam mais filhos de sua mãe. Ela, por sua vez, não os reconhecia , pois estava muito ocupada em bordar as roupinhas para os novos bebês que nasciam.

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